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Ana Cláudia Leocádio - AGÊNCIA CENARIUM

MANAUS - A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o encerramento da Comissão Especial de Conciliação do Marco Temporal, criada para discutir soluções para as ações que questionam a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, que fixou a promulgação da Constituição Federal como data limite para a demarcação das terras indígenas no País.

O documento, assinado pela assessoria jurídica da entidade, foi protocolado no âmbito do processo sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, responsável pela criação da Comissão, no mesmo dia em que os indígenas se retiraram da mesa de discussões no Supremo, no último dia 28.

Manifestação contra o Marco Temporal em Brasília, no Distrito Federal (Joédson Alves/Agência Brasil)

Cinco ações questionam a Lei 14.701/2023 no STF, chamada pelos indígenas como “Lei do Genocídio”: são três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7582, 7583 e 7586; uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87; e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86. A Apib é autora da ADI 7582.

A Lei 14.701 foi aprovada em 27 de setembro de 2023, pelo Senado, seis dias depois que o STF derrubou a chamada tese do Marco Temporal. Por nove votos a dois, o plenário decidiu que a data da promulgação da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por essas comunidades. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou a parte do marco, mas o Congresso derrubou o veto e promulgou a lei, que segue em vigor.

Ao anunciar a instalação da Comissão de Conciliação, no último 5 de agosto, o ministro Gilmar Mendes disse que esta seria a chance de pacificar um assunto que está sem solução desde a promulgação da Constituição e que tinha como objetivo também evitar o efeito “backlash” (um contra-ataque político ao resultado de uma deliberação judicial). “Não há pacificação social com imposição unilateral de vontades e visões de mundo”, afirmou na ocasião.

Indígenas protestam contra o PL 490, do Marco Temporal (Joédson Alves/Agência Brasil)
Entidade questiona legitimidade

A decisão do STF, de setembro de 2023, é um dos sete argumentos que o documento da Apib toma como base para sustentar sua posição contra a Comissão Especial criada por Gilmar Mendes. Além de reclamar de ter seus pedidos negados ou sequer apreciados pelo relator, a entidade indígena sustenta que a relatoria das ADIs deveria ser distribuída para o ministro Edson Fachin, por dependência, porque a ação do Marco Temporal ainda não foi encerrada no Supremo.

Em terceiro lugar, a Apib sustentou que deveria ser reconhecida a inadequação de conciliação sobre ações que versam sobre direitos de minorias, já que é papel precípuo do Supremo Tribunal Federal agir de forma firme e contundente na defesa de direitos de grupos vulneráveis, sobretudo diante a assimetria de poder e representação que os afetam”, afirma a entidade no documento.

Ao sair da comissão, o que a Apib requer é o envio do processo ao plenário para julgamento sem passar por uma comissão onde, para os indígenas, não caberia conciliar esse tipo de objeto. Para a entidade, “não há condições equânimes para a participação da conciliação, na medida em que a vigência da Lei 14.701/2023 representa violência e morte dos povos indígenas em seus territórios”.

Manifestação contra o Marco Temporal em Brasília, no Distrito Federal (Antônio Cruz/Agência Brasil)

Eles reclamam, ainda, que na Comissão “não há qualquer restrição sobre o objeto da conciliação, podendo alcançar direitos indisponíveis e desconstruir precedentes do Supremo Tribunal Federal”. Para a Apib, “trata-se de conciliação compulsória, na medida em que não há garantia da voluntariedade da conciliação, já que ela está imposta aos povos indígenas, independentemente de sua vontade”.

A última crítica é sobre não respeitar a “manifestação da autonomia da vontade dos povos indígenas sobre quaisquer de seus direitos, na medida em que as deliberações da Comissão Especial serão por maioria e os povos indígenas são minorias na sua composição”.

Tais disposições são contrárias à lei, à Constituição e às normas internacionais e constituem condições inaceitáveis que impossibilitam a presença dos povos indígenas na presente conciliação. Ademais, durante a audiência de conciliação, uma série de outras violações aos direitos indígenas foram perpetradas”, finaliza o documento, assinado pelos juristas Maurício Terena, Eloisa Machado de Almeida, Ingrid Gomes Martins e Victor Hugo Streit Vieira.

O documento protocolado foi direcionado ao presidente do STF, ministro Roberto Barroso, ao relator Gilmar Mendes, à juíza auxiliar da presidência, Trícia Navarro, ao juiz auxiliar e condutor dos trabalhos da Comissão Especial, Diego Viegas, e ao juiz instrutor, Lucas Faber.

Indígenas em manifestação contra o Marco Temporal (Lohana Chaves/Funai)
Comissão prosseguirá

No último dia 28, o juiz auxiliar Diego Viegar anunciou que os trabalhos prosseguirão e que os indígenas da Apib serão substituídos por outros representantes. Além disso, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) deverá apresentar um panorama das terras indígenas no Brasil, se possível com indicação de valores monetários, para cálculos de indenizações futuras.

As próximas reuniões estão agendadas para os dias 5 e 23 de setembro e os trabalhos da comissão estão previstos para encerrar no dia 18 de setembro. Viegas salientou que a nenhum membro da comissão caberá o direito a veto e que ninguém é insubstituível.

Coiab também questiona STF

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também protocolou uma nota técnica ao ministro Gilmar Mendes, na qual considera a Lei 14.701/2023 inconstitucional diante das decisões já tomadas pelo STF.

A entidade questiona, ainda, a falta de distribuição das ações por dependência ao ministro Edson Fachin; a legitimidade da comissão especial para conciliar questão constitucional; o impacto nos acordos internacionais; a contrariedade à Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais e a adoção dos chamados “círculos concêntricos” na definição das demarcações.

Sobre a falta de distribuição por dependência, diz o documento: “A análise apartada dos casos ocasiona extremo risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias em processos evidentemente conexos, e pois o RE 1.017.365/SC analisou a constitucionalidade da tese do Marco Temporal, e as ações em tela, por sua vez, tratam da análise da constitucionalidade da Lei 14.701/23, que revive o Marco Temporal como critério para a demarcação das terras indígenas”, sustenta a nota.

No documento, a Coiab discute a constitucionalidade da conciliação no âmbito de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), lembrando que uma experiência tentada na Corte foi infrutífera e o processo segue até hoje sem julgamento.

Ora, seria possível que um órgão do STF nunca previsto pela Constituição, criado por Resolução e amparado pelo Código de Processo Civil, se sobrepusesse à competência de controle de constitucionalidade dada pela Constituição ao Plenário do STF – art. 102, I, ‘a’? E, ainda, esta suposta fundamentação para a conciliação poderia se sobrepor à lei específica que rege o processo e o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade – Lei 9.868/99?”, indaga a Coiab.

Supremo já suplantou tese do marco

Segundo informações do STF, a decisão de setembro do ano passado sobre o Marco Temporal originou-se de um recurso de 2016, relacionado a um pedido do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) de reintegração de posse de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC), declarada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como de tradicional ocupação indígena.

No Recurso Extraordinário (RE) 1017365, a Funai contestou a decisão do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), que havia confirmado a sentença em que fora determinada a reintegração de posse, uma vez não foi demonstrado que as terras seriam tradicionalmente ocupadas pelos indígenas.

No julgamento, prevaleceu o entendimento do ministro Edson Fachin, relator da matéria, que deu provimento ao recurso da Funai. Com isso, a decisão do TRF-4 foi anulada, pois não considerou a preexistência do direito originário sobre as terras e deu validade ao título de domínio, sem proporcionar à comunidade indígena e à Funai a demonstração da melhor posse.

Na época, o STF fixou a tese que serviria de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 226 casos semelhantes que estavam suspensos à espera dessa definição.