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A produção musical no Ocidente entre os anos de 1.600 a 1750 aproximadamente, é denominada de “estilo barroco”. Se, no período anterior, sobretudo a partir da Renascença italiana, foram criados os códigos da beleza ocidental moderna, com Petrarca estabelecendo formas para narração poética, sobretudo a quadratura da rima; os artistas plásticos inaugurando o sentido de “volume”, de “profundidade”, uma terceira dimensão na pintura, os músicos do período organizaram “sequências” na narrativa sonora. Inauguraram igualmente uma “terceira dimensão”: a ideia de “princípio, meio e fim” do discurso musical.

O barroco deu um passo à frente caracterizando-se como o período da extroversão, da música instrumental, do brilho musical.


Mas, se a música até então era praticada pelo corpo humano – pela voz e pela dança, tendo os primitivos instrumentos apenas um caráter quase de adorno sonoro – no barroco descobriu-se e desenvolveu-se uma linguagem musical feita “fora do corpo”: a música instrumental pura, “abstrata”.


Mas, se até então a música no Ocidente era feita de melodias – melodias intermináveis sem critérios, apenas subordinadas ao texto religioso no caso do canto gregoriano, ou melodias superpostas no do contraponto renascentista – no barroco criou-se um raciocínio musical “vertical”. Ou seja, notas superpostas perfazendo “harmonias tonais”. O mundo do “dó maior, si menor, fá sustenido maior” que se conhece. Essas harmonias estruturavam a sequência do mecanismo no discurso tonal e engalanavam, acompanhavam as lindas melodias (que se iniciavam, se desenvolviam e chagavam ao fim – a tal 3ª dimensão em música). Esses “blocos harmônicos” eram executados por um ou mais instrumentos. Ouçamos uma bela melodia do veneziano Alessandro Marcello um famoso “adagio barroco” escrito para oboé com o acompanhamento de um grupo de cordas – o que se passou a chamar de orquestra.


Mas no período passou a existir também uma música instrumental executada por um único instrumento – aquilo que foi chamado de sonata (para ser “tocada” em contraposição à “cantata” para ser cantada – óbvio). Mais uma vez os italianos lançaram os moldes. O compositor mais expressivo e fecundo autor das peças para cravo solo (hoje executadas ao piano moderno) foi o napolitano Domenico Scarlatti. Esse compositor foi depois levado a Portugal, onde incentivou a criação de uma excelente geração de bons compositores na Santa Terrinha, compositores esses cuja obra foi trazia ao Brasil, propiciando a formação, sobretudo na região de Minas, de um surto composicional de música de qualidade sem igual no continente americano (um dos exemplos vimos na seleção anterior).


Mas nesse período chamava a atenção o virtuosismo instrumental. O aperfeiçoamento dos instrumentos permitiu recursos de execução que começaram a encantar plateias com seu brilho, inaugurando um verdadeiro “atletismo” instrumental que atingiu o ponto culminante com Paganini, Chopin e Liszt no século XIX. Mas já no século XVIII havia “Paganinis” provocando e excitando plateias com seus malabarismos instrumentais. Vejam o caso deste “Paganini barroco” Pietro Locatelli :

Mas a coisa não ficou por aí. Os autores do barroco italiano resolveram criar uma competição entre um solista e um grupo instrumental. Competição, ou desafio em italiano chama-se concerto (se diz contcherto). Mas, com o desenvolvimento dessa ideia de concerto, chegou-se a criar grupos de 1,2,3 e até quatro solistas diante de uma orquestra que, mancomunados entre si, enfrentavam as respostas do conjunto. Vejam este concerto para 4 violinos e orquestra de Vivaldi.

Eu escolhi esse concerto para 4 violinos solistas e orquestra de Vivaldi para mostrar a vocês um fato curioso que ocorreu no barroco em toda a Europa. Como os italianos inauguraram o brilho instrumental assim como essa forma de “concerto” (um ou mais solistas enfrentando uma orquestra), os compositores do norte da Europa iam à Itália aprender como fazer música com 4 arames esticados sobre uma caixa de madeira, passando-se sobre esses arames (cordas) uma crina de rabo de cavalo untada com breu (arco). Sem nenhum pudor, o monumental Johann Sebastian Bach copiava ipsis litteris os concertos de Vivaldi e de outros autores da Península e assinava embaixo. Vejam agora o mesmo concerto para 4 violinos, executado por 4 pianos (cravos, á época) assinado por J. S. Bach (como se fosse de sua autoria).

Como vocês veem, consta o nome de Bach como autor e até o número de sua obra 1065. Mas foi também nesse período que formas puramente instrumentais começaram e se desenvolver. Como disse antes, a música anteriormente ao barroco era composta de obras vocais e de danças. Pois bem. Essas danças de diversos países europeus circulavam por toda a Europa e os grandes autores do barroco as estilizaram, trazendo-as (com a sofisticação da instrumentalidade da época) para as salas de concertos. Foram então criadas as suítes de danças. Eram peças curtas em diversos ritmos de várias regiões da Europa executadas por orquestra.

A Suite Nº 4 de Bach que vamos ouvir é baseada nas seguintes danças: Abertura (uma introdução livre), bourrés I e II, gavota, minueto, e rejouissance ou seja uma peça “alegre” que os italianos depois chamavam de “allegro”. Aqui certamente baseada num outro tipo de dança não especificado por Bach.

Como eu disse na seleção anterior Claudio Monteverdi “inventou” a ópera moderna fazendo a passagem da Renascença para o barroco. Pois bem. A dramaturgia sonora se desenvolveu sobremaneira no barroco. Um dos principais responsáveis por esse desenvolvimento foi o pai de Domenico Scarlatti, Alessandro Scarlatti. O histrionismo natural dos italianos contribuiu sobremaneira para que essa dramaturgia sonora se desenvolvesse o que levava compositores da Europa inteira a viajarem à Itália para aprender a compor para a música cênica. E isso perdurou até o início do século XX.

Georg Friedrich Händel esteve na Itália, compôs 50 óperas todas em idioma italiano, mesmo passado a maior parte de sua vida na Inglaterra, tornando-se, inclusive, cidadão inglês. Suas óperas são de elevada desenvoltura dramatúrgica e sua para música vocal para elas possuem forte influência da música instrumental, já que ele foi um famoso compositor para todos os tipos de instrumentos.

Vamos ouvir uma ária da ópera Julio Cesar e depois uma ária da ópera Rinaldo ambas de Händel. Uma bem virtuosística bem “instrumental” e outra bem melódica ao estilo italiano.

Mas toda essa dramaturgia vocal/operística do barroco, seja para vozes solistas ou corais, foi levada para a música religiosa cristã. Todos os compositores do barroco italiano escreveram música religiosa tanto quanto óperas. Vivaldi escreveu 40 óperas mas sua produção de música religiosa, como a que vimos no início, foi igualmente expressiva. Bach não compôs óperas mas toda essa dramaturgia musical vinda do gênero está presente nas centenas de obras religiosas que compôs.

Mas, a mais bem sucedida figura do barroco religioso foi Georg Friedrich Händel. Nascido em Halle, cidade da Alemanha Oriental próxima da cidade de Eisenach, onde nasceu o outro grande gênio do barroco J. S. Bach, Händel foi um viajante. Morou muitos anos na Itália onde aprendeu a compor música instrumental e ópera e fixou-se na Inglaterra, onde viveu até o fim da vida. Foi até enterrado na Abadia de Westminster panteão máximo da nobreza e das maiores personalidades do reino de Albion. Sua obra O Messias é sem dúvida a música sacra mais famosa da cultura ocidental e, das grandes catedrais do mundo, dos mais suntuosos castelos assim como na capela da Vila Das Farinhas no interior de Piauí em tarde de sábados de casamentos, o trecho Aleluia do seu Messias não pode faltar.


Julio Medaglia é maestro, arranjador e apresentador do Fim de Tarde, programa que vai ao ar de segunda a sexta-feira, às 17h, na Rádio Cultura FM de São Paulo.