Envelhecimento de homens gays é tema da peça “Bichados”
Com ingressos gratuitos, o espetáculo deverá ser o último da Oficina Cultural Oswald de Andrade
12/04/2024 16h00
Abordando os desafios e preconceitos enfrentados por homens gays acima dos 40 anos, a peça “Bichados” estreou na última quarta-feira (10) em São Paulo. As apresentações, com entrada gratuita, acontecem até o dia 27 de abril.
Segundo apurado pelo site da TV Cultura, este será o último espetáculo sediado na Oficina Cultural Oswald de Andrade, inaugurada em 1986 pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.
A produção teatral gira em torno do aniversário de 45 anos de William, personagem que se vê diante da meia-idade lidando com perdas e com o olhar da finitude.
“Geralmente aqui na companhia [Artera de Teatro] a gente trata de assuntos que ficam um pouco silenciados, em que a própria comunidade LGBTQIA+ não toca, nesses lugares que não são discutidos profundamente”, explica o diretor Ricardo Corrêa, em entrevista ao portal da TV Cultura.
Como parte do processo de criação da peça, foi elaborado um documentário intitulado "Quem tem medo de envelhecer?". Ao longo do projeto foram entrevistadas diversas pessoas da comunidade LGBTQIA+ acima dos 45 anos. Além de incentivar a reflexão sobre o tema, a iniciativa possibilitou um contato do diretor com os medos e anseios de quem convive com os efeitos não só da homofobia, mas também do etarismo.
Assista ao documentário:
“Quando você envelhece, às vezes você é obrigado a viver situações preconceituosas ao ir para asilos ou lugares onde seu gênero e orientação sexual não são levados em consideração, principalmente devido a um despreparo social”, acrescenta Corrêa.
Com inúmeras associações possíveis, o título “Bichados” chama a atenção logo de cara. Além de estar ligado ao termo “bicha”, muitas vezes usado de forma pejorativa para designar homossexuais, a palavra também pode ser atrelada à ideia de estar corroído, cheio de bichos.
“A analogia desse bicho, dessa selvageria que a gente vive, dialoga com esse momento muito bruto da sociedade, em que a gente vai perdendo a noção de empatia, perdendo um pouco do humano que existe em nós”, explica.
Divulgação - Foto: Leekyung Kim
O jogo videográfico e sonoro em complemento à encenação também são outros aspectos de destaque. Durante 70 minutos, elementos de som, de vídeo e de luz são operados em conjunto com a interpretação do ator no monólogo.
“Além da temática LGBT+, a gente também gosta bastante do trabalho com a tecnologia e o espaço visual. Trazemos sempre algumas assinaturas, como o uso de câmera ao vivo e as cores neon”, conta Davi Reis, que dá vida ao protagonista.
“Maricona”, “bicha velha” e o “medo de morrer”
A solidão, o luto e a depressão também estão entre os temas explorados na produção. De acordo com levantamento do Grupo Gay Bahia (GGB), o Brasil registrou 257 mortes violentas de pessoas LGBTQIA+ em 2023. O número indica que o país permanece no posto de mais homotransfóbico do mundo.
Nas palavras de Corrêa, para comunidade trans, além do medo do envelhecer e do morrer, é ainda mais presente o medo de como a morte vem.
“No curta documental, perguntamos a uma mulher de 51 anos qual era o sonho dela e se ela já tinha pensado na velhice. E ela disse que nunca pensou, porque não imaginava que chegaria viva até essa idade”, enfatiza o ator que interpreta William.
Divulgação - Foto: Leekyung Kim
Além disso, também há estigmas em relação à estética, sobretudo em plataformas digitais, que incluem aplicativos de relacionamento. Os entrevistados destacam que é bastante comum uma seleção e exigências, como estar com o “corpo em dia” e o bloqueio imediato por conta da idade.
“Além do medo da solidão, de estar no momento de finitude totalmente sozinho, existe a padronização física, já que a comunidade LGBT+ preza muito pela estética e pela influência. Chega aos 50 ou 60 anos, você é reduzido a apelidos, como ‘maricona’ e ‘bicha velha’”, afirma Reis.
Fim da Oficina Oswald de Andrade?
Em março deste ano, a Secretaria da Cultura de São Paulo anunciou que o programa Oficinas Culturais vai ser encerrado. Além da Oswald de Andrade, localizada no bairro Bom Retiro, o estado tem outras duas oficinas, a Alfredo Volpi e a Maestro Juan Serrano, todas na capital paulista. No lugar do programa, deverá ser implementado um novo projeto, o “CultSP Pro”. Artistas que frequentam esses espaços reclamam da mudança e da falta de diálogo.
“As oficinas culturais são de todos e para todos. Não é preciso destruir um projeto tão maravilhoso para construir outro, isso não tem o menor sentido”, afirma Davi Reis.
Foto: Reprodução/Secretaria da Cultura de São Paulo
Durante a apuração, o portal TV Cultura entrou em contato com um funcionário da Oswald, que, sob anonimato, contou à reportagem que os trabalhadores receberam um aviso prévio do fechamento e não houve informações sobre recolocação. Ainda segundo o entrevistado, o clima no lugar está “fúnebre” e o sentimento é semelhante ao dos músicos do filme “Titanic” (1997).
O encerramento está marcado para o dia 30 de abril, três dias depois do fim da temporada de “Bichados”.
“A peça também fala de um aniversário de despedida, já que os espectadores acompanham o sonho do personagem de se mudar para Nova York. Coincidentemente de uma forma muito triste essa temporada tem um ar de despedida, e a gente torce para que isso não aconteça”, finaliza o diretor do espetáculo.
Procurada, a Secretaria da Cultura informou que a reformulação das oficinas visa valorizar o desenvolvimento profissional por meio de cursos livres no setor da indústria criativa. Em nota ao portal, o órgão destacou que a partir de maio, a Oswald passará a receber uma “intensa programação”, com mostras e peças de teatro sob a nova identidade “CultSP Pro”.
Leia abaixo o comunicado na íntegra:
“A Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas informa que as Oficinas Culturais foram reformuladas e agora são o CultSP Pro – Escolas de Profissionais e Empreendedores de Cultura, conforme publicado no Diário Oficial do dia 22 de março. A iniciativa vai abranger todo o Estado oferecendo cursos diversificados, adaptados às necessidades de cada segmento cultural, em resposta à crescente demanda por qualificação no setor da indústria criativa.
Os prédios da Oswald de Andrade e Juan Serrano são equipamentos próprios do Governo de São Paulo e serão mantidos pelo Estado durante o desenvolvimento do programa CultSP Pro. A partir de maio, até a implantação do CultSP Pro, a Oswald passará a receber uma intensa programação, com mostras e peças de teatro.
Já as atividades da Maestro Juan Serrano serão absorvidas pelo programa Fábricas de Cultura, como uma extensão da Fábrica de Brasilândia, tendo em vista a consonância de suas iniciativas e de seu público com os da Fábrica. A Alfredo Volpi funciona, atualmente, em um prédio locado, que será devolvido, e as atividades já são abarcadas pelas Fábricas de Cultura da Zona Leste e pelas Casas de Cultura do Município”.
Aos interessados em assistir "Bichados", os ingressos terão distribuição gratuita cerca de uma hora antes de cada sessão.
Serviço
Temporada: de 10 de abril a 27 de abril de 2024 - quartas, quintas e sextas, às 19h30, e sábados, às 18h.
Local: Oficina Cultural Oswald de Andrade - Rua Três Rios, 363 - Bom Retiro (SP)
Ingressos: Grátis
Classificação etária: 16 anos
Duração: 70 minutos
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