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Os e-sports são campeonatos organizados para a competição de jogos eletrônicos, que têm ganhado cada vez mais espaço e visibilidade em todo o mundo. No Brasil, a categoria já movimenta cerca de 1 bilhão de dólares por ano e conseguiu angariar uma base sólida de fãs. No entanto, atitudes de alguns jogadores e profissionais dos games têm causado revolta, principalmente entre as mulheres.

No início de janeiro deste ano, uma série de relatos foram expostos após a tatuadora Daniela Li publicar em rede social uma situação que passou com o ex-técnico de League Of Legends, Gabriel “MiT” Souza, há sete anos. Os “exposeds”, como são chamadas as revelações, trouxeram à tona comportamentos intolerantes, machistas, racistas, misóginos e homofóbicos dos jogadores e da equipe masculina, que se repetiram por diversas vezes.

Horas após ser acusado, "MiT" se pronunciou sobre o caso com uma nota divulgada nas redes sociais. O ex-coach de paiN Gaming e Flamengo argumentou não ter "maturidade" à época e disse estar "devastado e envergonhado" pela atitude.

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Após os relatos da tatuadora, outros exposeds de jogadoras, casuais e profissionais, começaram a aparecer nas redes sociais. Dentre as acusações, estavam pedidos de fotos íntimas em troca de participação em projetos, condutas de assédio contra garotas menores de idade, etc.

Diante deste cenário, não é incomum se deparar com mulheres gamers que já foram vítimas ou presenciaram atos de assédio.

Segundo dados da Pesquisa Game Brasil (PGB) de 2020, que entrevistou 5.830 pessoas em todo país, as mulheres representam 61,9% dos jogadores casuais e 23,3% dos hardcore gamers, que jogam com frequência.

Patrícia Angélica é jogadora e organizadora dos campeonatos de Gears Of War, ela foi uma das pioneiras na organização das competições e conta que já viveu e presenciou outras meninas sofrendo assédio. O inconveniente fato motivou ela e a equipe feminina a se juntarem e criarem um campeonato exclusivo para mulheres.

A ideia do projeto seria o ideal para acabar com as importunações e fazer com que as meninas sentissem mais liberdade para se divertirem, conversarem e jogarem.

“Teve um momento que a gente teve que fazer um campeonato só para mulheres porque elas não se sentiam à vontade de participar dos campeonatos que eram abertos para rapazes”, diz.

Mesmo assim, alguns jogadores não aceitaram esse torneio separado e, segundo Patrícia, tentaram por várias vezes boicotar o projeto.“Tinham rapazes se inscrevendo como se fossem meninas para burlar as regras. Quando as garotas estavam jogando, os meninos ficavam mandando mensagem sem parar para atrapalhar o jogo delas. Tinham rapazes reclamando, xingando, falando um monte para as meninas e para a administração, porque a gente estava fazendo um campeonato pago e com premiação para elas”, relata.

A jogadora ainda relata que precisaram desistir do projeto e voltar com os campeonatos normais. Além do assédio sofrido pelas gamers, há também falta de apoio, interesse e motivação de instituições e empresas que patrocinam as competições.

“Se não for um acolhimento que não for promover ou fazer a marca crescer com marketing ou branding, as empresas não estão realmente preocupadas. Elas só se importam com as críticas, com os números, a percepção da marca. Não estão preocupadas com as pessoas, com o que está acontecendo com elas”, desabafa.

Para além das competições, os assédios acontecem também dentro de casa, nas partidas casuais. O agressor se esconde por trás da tela do console ou do PC, se sente mais intimidador e poderoso para importunar a vítima.

De acordo com a jogadora e apresentadora Bárbara Gutierrez, o principal local onde o assédio acontece recorrentemente é no ambiente online, por causa do anonimato proporcionado pela internet. “Todo mundo se sente muito à vontade para falar besteira, assediar, julgar. Tem essa grande cultura de que quando você está na internet você está perdido. A impunidade do anonimato virtual é muito forte”, fala

O ambiente de trabalho, em empresas ligadas aos e-sports, também pode ser hostil para mulheres que ocupam algum cargo. Predominantemente masculinos, esses locais não possibilitam uma convivência interessada no combate ao assédio. Pelo contrário, por vezes, acentuam as ações e usam da posição profissional para intimidar a vítima.

Por ser mulher, Barbara conta que já passou por diversas experiências desagradáveis no meio, desde ser cantada em entrevista com pró-player, até ser bajulada pelo chefe. “Nesse emprego em questão, eu trabalhava com tudo, e quando isso aconteceu a sala estava cheia de homens, e ninguém falou nada”. “Quando você sofre um assédio, é algo que você pensa ‘isso não está acontecendo comigo’”, relata.

Bárbara também defende que o comportamento machista propagado por parte dos gamers dificulta ainda mais a possibilidade de um mercado mais inclusivo. Ela diz: "Isso traz consequências para o número de mulheres dentro do mercado profissional de e-sports, porque quando ela está começando a jogar, seja com oito anos, na adolescência ou etc, ela precisa de um ambiente onde se sinta segura, para evoluir, jogar e gostar daquilo.”

A falta de auxílio e de assistência de instituições e de empresas deixa a comunidade feminina desamparada. Não há nenhum órgão oficial que elas possam recorrer para denunciar os assédios sofridos e receberem ajuda psicológica e judicial. Sendo assim, elas buscam suporte em comunidades fechadas, criadas por elas mesmas, uma rede de apoio de mulheres gamers.

Falta de apoio e suporte

Nos grupos compostos apenas por mulheres, além de se divertirem e competirem entre si, elas aproveitam o espaço para compartilhar experiências no cenário gamer.

Segundo Patrícia, “As mulheres estão criando grupos femininos, em que só elas estão participando para que se sintam mais à vontade de falar a respeito do assédio que estão sofrendo. Compartilhar também as experiências que estão tendo na vida e como isso está influenciando, atrapalhando a participação delas nos jogos”.

A alternativa criada pode não ser uma solução definitiva para o problema, mas supre a falta de suporte e amparo na ausência de instituições mais sérias. Bárbara reforça que o acolhimento fica entre as próprias mulheres, quando conseguem expor o que ocorreu com elas.

“Acho isso muito incrível, as mulheres que estão no cenário de esportes eletrônicos a mais tempo trazem esse acolhimento. Honestamente, sinto falta de algo mais oficial, talvez uma instituição. Não acho que a gente tenha que aguentar todo peso do mundo”, afirma.

Problemas da sociedade como o machismo refletem ainda mais em setores dominados por homens. Apesar das dificuldades, Barbara e Patrícia, que estão há muito tempo no meio dos jogos eletrônicos, apoiam o fortalecimento dessa rede de apoio feminino e encorajam as meninas mais novas a continuarem na luta para ocupar o mundo dos games.

“Se for um sonho, não desista. As barreiras, o pessoal tentando puxar o tapete, sempre vão existir. Como estamos entrando, as barreiras parecem mais duras, aqui ainda somos pioneiras. Mas não desistam!”, diz Patrícia.

“O que eu tenho pra falar para as mulheres e para todas as outras pessoas, pretas, LGBTQIA+, pessoas com deficiência e etc. É que, se você gosta, não deixe de fazer pelos outros. No final das contas, essas pessoas que falam tanto, gostariam de estar no seu lugar. Não é fácil, é um dos mercados mais difíceis de se trabalhar no mundo, mas se é o que você ama vai atrás”, comenta Barbara.