O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) divulgou um relatório no início do mês apontando que os seres humanos são responsáveis por um aumento de 1,07°C na temperatura do planeta.
O documento “AR6 Climate Change 2021: The Physical Science Basis", avaliou como “inequívoco” o impacto da influência humana nas mudanças climáticas. De acordo com o relatório, cerca de 98% do aquecimento global é resultado de atividades humanas.
Embora especialistas já apontassem os riscos, esta é a primeira vez que o comitê de cientistas da Organização das Nações Unidas (ONU) quantifica o efeito das ações humanas no aumento da temperatura da terra.
Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, o AR6 deve ser considerado uma “sentença de morte” para o carvão e os combustíveis fósseis. “Alerta vermelho para a humanidade", descreveu Guterres.
Mudanças climáticas
Os relatórios do IPCC têm sido produzidos desde 1990. Para a bióloga e ambientalista Karina Penha, quando analisamos todas as edições, é possível destacar a mudança na linguagem. “O primeiro relatório não assume que existe de fato o efeito estufa”.
O efeito estufa são gases que absorvem radiação infravermelha do sol, e emitem o calor de volta para a terra, possibilitando o aquecimento do planeta, tornando-o um local habitável, sendo este um processo natural. Entretanto, algumas ações humanas têm contribuído para uma alta concentração desses gases na atmosfera.
Karina explica que o primeiro painel abordava uma perspectiva conservadora, sem garantias das consequências das ações humanas, em contrapartida, o atual relatório é alarmante.
“A sociedade civil, ambientalistas e cientistas já alertaram isso há muito tempo, a gente já sabia, é um consenso desde a Revolução Industrial, e agora saiu esse resultado que até pra gente que convive com isso é assustador. Por outro lado é bom porque conseguimos falar com mais pessoas sobre o tema”, explica.
A relação entre o ser humano e a natureza mudou drasticamente a partir de 1760, com a Revolução Industrial. The Center for Climate and Energy Solutions (C2ES), organização independente que trabalha em prol de soluções para as mudanças climáticas, apontou o crescimento global das emissões de C02. Entre 1850 e 2020 a produção saltou de 0 a 35 milhões de toneladas métricas de carbono.
Injustiça Climática
Embora discursos e debates climáticos por vezes pareçam distantes no que diz respeito a termos técnicos e compreensão teórica sobre o tema, já é possível sentir seus efeitos práticos. Os refugiados ambientais apresentam a realidade do êxodo gerado por catástrofes naturais e desastres ambientais causados pelas mudanças climáticas.
“Em 1990 falávamos das geleiras, do urso polar, que são muito importantes também, mas que não trazem uma sensibilidade porque é muito distante das pessoas. Quando você olha para a população de rua no Brasil morrendo de frio, ondas de calor no Estados Unidos, florestas pegando fogo, não tem como fugir de que existe um desequilíbrio muito grande”, destaca Karina
De acordo com o Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos da ONU, cerca de 17,2 milhões de pessoas deixaram suas casas devido a desastres naturais em 2018. Em 2019, houve cerca de 24,9 milhões de deslocamentos em 140 países ocasionados por perigos relacionados ao clima, aponta o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirma que cerca de 1 bilhão de crianças moram em nações com classificação de “risco extremamente alto” e vulnerabilidade a eventos desastrosos causados pelas mudanças climáticas. A Unicef aponta ainda que esses 33 países produzem apenas 9% das emissões globais de CO2, sendo exemplo de injustiça climática.
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De quem é a culpa?
A comunicação a respeito das mudanças climáticas tem sido um dos pontos mais relevantes na busca por transformações de comportamento, entretanto é importante distinguir ações individuais dos verdadeiros responsáveis pela destruição do planeta.
Grandes corporações investem no Greenwashing, a prática de promoção de discursos e campanhas publicitárias que apontam preocupação com a responsabilidade ambiental das empresas, e que buscam construir uma imagem sustentável e “eco-friendly”. Concomitante a isso, há discursos que transferem a responsabilidade de quem produz, para quem consome, chegando a um resultado injusto.
“Não posso dizer para a pessoa que está banhando que ela está prejudicando o meio ambiente enquanto a indústria do agronegócio gasta mais de 30 mil litros de água para produzir 1kg de carne. Falar para uma pessoa que trabalha a semana inteira, e no único dia que ela tem de lazer, ela vai ser culpada pelo pedaço de carne que ela consegue comer uma vez na semana, não faz sentido”, aponta a bióloga.
Segundo Karina, o relatório AR6 pode incentivar a busca de informação e a pressão sobre os tomadores de decisão e as grandes indústrias. “Reciclagem é importante, diminuir consumo de água é importante, mas não dá mais pra culpabilizar pessoas e não responsabilizar ministros, presidentes e indústrias. O relatório é um guia pra gente pensar no voto, e atuar por essa causa que não é só de ambientalistas”.
COP 26
A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP) está programada para ocorrer em novembro de 2021, em Glasgow, na Escócia. O encontro reúne nações para discutir sobre as mudanças climáticas e buscar acordos a fim de combatê-las.
Especialistas afirmam que o relatório do IPCC será, além de um divisor de águas, um centralizador dos debates da COP 26. Para Karina, o relatório deve trazer cobrança para que a 26ª edição da Conferência, que até então não gerava muita expectativa, entregue resultados concretos.
"Vamos ter de definir soluções e consensos muito claros, se isso não acontecer, os próximos anos podem sair do controle muito fácil, apesar de já estar muito descontrolado".
Veja o Minuto Cultura sobre o tema:
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