A invasão da Rússia à Ucrânia em 24 de fevereiro envolve diversos fatores. Dentre eles se destaca a sinalização do governo ucraniano para um possível ingresso na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliança militar do ocidente, criada ainda na época da Guerra Fria, que tem os Estados Unidos como principal potência integrante.
Uma das demandas do presidente russo, Vladimir Putin, para cessar os ataques no país vizinho é uma garantia de que a Ucrânia nunca faça parte da organização. Diante desses fatos, se faz necessário entender como atuam os membros dessa organização, o que ela representa para a geopolítica atual e por que a Rússia a enxerga como uma ameaça.
O contexto do nascimento da OTAN
A OTAN foi criada em 4 de abril de 1949, durante a Guerra Fria, após a assinatura de um documento em Washington, nos EUA. O contexto geopolítico da época era uma forte polarização entre países liberais do ocidente e nações socialistas, sob influência da então União Soviética.
Entre os objetivos principais da aliança estavam frear o avanço da influência comunista proveniente de nações do leste europeu; manter a Alemanha sob controle, vide o protagonismo do país nas duas Guerras Mundiais, e a proteção coletiva dos países membros.
O artigo quinto da OTAN trata justamente sobre isso. De acordo com o documento da organização, “As Partes concordam que um ataque armado contra uma ou mais delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque contra todas elas e, consequentemente, concordam que, se ocorrer tal ataque armado, cada uma delas, no exercício do direito de legítima defesa individual ou coletiva reconhecida pelo artigo 51 da Carta das Nações Unidas, auxiliará a Parte ou as Partes atacadas tomando imediatamente, individualmente e em conjunto com as outras Partes, as medidas que julgar necessárias, incluindo o uso de força armada, para restaurar e manter a segurança da área do Atlântico Norte”.
Como um país pode se beneficiar após entrar na OTAN?
Alguns dos benefícios de um país entrar para a OTAN são o compartilhamento de serviços de inteligência, excedentes militares e cooperação na área tecnológica; treinamento militar, sobretudo pelas tropas dos EUA, e maior rapidez na compra de armamentos. “Talvez o benefício político mais importante é que esses países entram no ‘guarda-chuva’ de proteção da OTAN. Ela se compromete a agir de maneira concreta militar se um membro for atacado”, explica o professor do Departamento de Ciência Política da USP Rafael Villa.
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OTAN continuou após a Guerra Fria
Mesmo depois da dissolução da União Soviética, queda do Pacto de Varsóvia (contraparte da OTAN formada por países socialistas sob influência da URSS), queda do muro de Berlim e o fim da Guerra fria, fatores que levaram à criação da aliança, a OTAN continuou existindo e adicionando países ao grupo, inclusive os do leste europeu. Nos anos 1990, a organização flertou com o ingresso da própria Rússia para o conjunto dos países membros, mas as tratativas não avançaram.
O país comandado atualmente por Vladimir Putin critica a expansão da aliança militar ocidental para o leste europeu. A sinalização da Ucrânia, que faz fronteira com a Rússia, à uma entrada no grupo foi o principal estopim para a invasão russa em solo ucraniano.
Putin alega que a OTAN descumpriu o acordo de não aceitar como membros países do leste da Europa, firmado com o governo russo após o fim da Guerra Fria. No entanto, o secretário da aliança, o norueguês Jens Stoltenberg, declarou que o acordo de não expansão mencionado pelo presidente da Rússia nunca existiu. Especialistas chamam atenção para a falta de transparência quanto a esses documentos.
Em fevereiro deste ano, a revista alemã Der Spiegel publicou o que seriam documentos assinados ao fim da Guerra Fria que comprovariam que a OTAN se comprometeu formalmente e oficialmente a não se expandir para o leste da Europa.
Nos papéis, descobertos, segundo a matéria, por um cientista político norte-americano chamado Joshua Shifrinson nos arquivos Nacionais Britânicos, consta a fala do representante norte-americano nas negociações, Raymond Seitz, de que a organização não deveria “se expandir para o leste, nem formalmente nem informalmente”.
Para o professor Rafael Villa, o avanço da aliança redefiniu o papel dela na geopolítica mundial. “De uma aliança político-militar defensiva, nos anos da Guerra Fria, ela [OTAN] se transformou em uma aliança político-militar ofensiva no pós Guerra-Fria. A OTAN está fazendo, neste momento, o papel que ela própria acusava a União Soviética nos anos de Guerra Fria, só que de forma muito mais multilateral e política”, comenta.
Coordenador do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes, Rodolfo Pereira das Chagas explica que a continuidade da existência da organização se deve a uma tentativa das potências ocidentais de neutralizar e cercar as fronteiras da Rússia. “Um jeito de manter a Rússia controlada é manter um estrangulamento dela. Esse é um dos principais motivos da existência da OTAN, uma neutralização da Rússia”, diz.
Durante a Guerra Fria, a aliança militar ocidental não se envolveu em operações militares, a primeira delas aconteceu em 1990, com o envio de tropas para a Turquia durante a tensão gerada pela invasão do Iraque ao Kuwait. A organização também atuou em conflitos envolvendo a Bósnia em 1994, Kosovo (1999), Afeganistão (2001), Iraque (2004) e Líbia (2011).
Países Membros
Atualmente, 30 países independentes fazem parte da organização. São eles: Albânia, Bélgica, Bulgária, Canadá, Croácia, República Tcheca, Dinamarca, Estônia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Montenegro, Holanda, Macedônia do Norte, Polônia, Portugal, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos da América.
Originalmente, no fim da década de 1940, a aliança contou com a formação por parte de Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal e Reino Unido.
Também existem os chamados “aliados importantes extra-OTAN” ou “importante aliado não-OTAN”. Que são países nomeados pelo governo dos Estados Unidos que possuem relação com as forças norte-americanas mas não fazem parte do pacto de defesa mútua citado no artigo quinto. São eles Austrália, Coreia do Sul, Egito, Israel, Japão, Jordânia, Nova Zelândia, Argentina, Bahrein, Filipinas, Taiwan, Tailândia, Kuwait, Marrocos, Paquistão, Afeganistão, Tunísia, Brasil, Catar e Colômbia.
O Brasil entrou para o grupo de aliados importantes extra-OTAN em 2019, por meio de uma designação do presidente norte-americano à época Donald Trump. Ele foi o segundo país sul-americano a fazer parte do coletivo depois da Argentina.
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Armamento nuclear
Como possui membros com armamentos nucleares, como Estados Unidos, França e Reino Unido, e um de seus objetivos é se contrapor à Rússia, a OTAN possui um grupo de planejamento para avaliar questões sobre armamentos desse tipo. Segundo a própria organização, o departamento é soberano em questões envolvendo a segurança nuclear. Com exceção da França, que pediu para não participar, todos os países membros, mesmo aqueles que não possuem equipamentos de defesa militar, fazem parte do Grupo de Planejamento Nuclear.
A OTAN na guerra da Ucrânia
A simples sinalização de um possível ingresso na OTAN no futuro foi um dos principais motivos da invasão da Rússia na Ucrânia. Após exigir e não obter respostas do governo ucraniano sobre uma garantia de não entrada na aliança, Putin reconheceu a autonomia de regiões separatistas do país vizinho, como Donestk e Lugansk, e iniciou uma operação militar em solo ucraniano.
Rafael Villa diz que o desejo da Ucrânia em ingressar a organização político-militar ocidental pode ser explicada, para além do elemento ideológico de afastamento da Rússia, por um processo de identificação com as democracias liberais ocidentais. “A entrada em instituições como a OTAN e a União Europeia é uma espécie de coroamento dessa identidade liberal democrática, ao estilo ocidental. Por outro lado, a Ucrânia subestimou a capacidade de reação da Rússia (...) Se a OTAN absorve a Ucrânia, a Rússia não vai fazer fronteira com a Ucrânia, mas sim com a OTAN, politicamente falando”, comenta.
A aliança condena as ações da Rússia no conflito e já manifestou que ajuda a Ucrânia na obtenção de equipamentos para as tropas de resistência.
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Apesar de países como Finlândia e Suécia manifestarem desejo de fazer parte da aliança depois dos ataques russos, a guerra que alcançou a capital Kiev esfriou as chances da própria Ucrânia ingressar a OTAN.
Após a quarta rodada de negociações entre as delegações russas e ucranianas por um cessar-fogo, o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky declarou que o país não tem portas abertas para a Organização do Tratado do Atlântico Norte.
“A Ucrânia não é um membro da OTAN. Entendemos isso. Durante anos, ouvimos que as portas estavam abertas, mas também ouvimos que não podíamos aderir. Essa é a verdade e precisa ser reconhecida”, declarou.
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