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O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves, publicou, neste mês, uma cartilha referente ao uso de maconha para fins recreativos e medicinais. Porém, muitas das informações contidas neste documento ignoram pesquisas científicas e contém informações falsas, o que pode gerar interpretações equivocadas sobre o assunto.

A cartilha tem o prefácio assinado por Angela Gandra, secretária nacional da família. Ela foi a responsável por apresentar a cartilha no evento de inauguração que aconteceu na semana passada.

Algumas incongruências começam logo nas primeiras páginas. Ela cita um projeto de lei do Congresso Nacional que propõe a autorização do plantio em larga escala da maconha e comercialização em todo o país. A referência é a PL 399/2015, mas esse não é bem a função do projeto.

Para explicar como funciona o Projeto de Lei, e diversos temas relacionados à cartilha, o site da Cultura conversou com Carolina Nocetti, primeira médica brasileira com experiência internacional em consultoria técnica e aplicações clínicas de Cannabis medicinal.

A médica explica que o PL 399/2015 é o marco regulatório da Cannabis, tanto para o uso medicinal, que sugere a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação. E também para o uso da planta como commodity, sendo possível utilizá-la para produção de tecido e plástico, por exemplo.

O uso terapêutico não se limita apenas aos seres humanos. O projeto de lei também propõe o uso de medicamentos com Cannabis também para animais de estimação. Há uma dosagem específica que também ajuda no tratamento de cachorros.

Uso medicinal da Cannabis

Outro trecho que gerou polêmica é quando a cartilha afirma: “No que diz respeito ao uso da maconha dita 'medicinal', é importante salientar que o uso terapêutico dos componentes da maconha ainda é extremamente restrito, contando com pouquíssimas evidências científicas".

Segundo Nocetti, esse trecho não é uma realidade. “Existem robustez em três áreas medicinais e potenciais descritos em outros. Essas três principais são dor, espasticidade, esclerose múltipla”.

A própria médica possui publicações que mostram a efetividade da Cannabis em tratamentos contra dor crônica e na doença de Alzheimer. Os artigos estão publicados no Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research.

Além de publicações nacionais, também há muitos estudos internacionais que mostram o contrário do que foi dito na cartilha. As Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos, em 2017, apontam a efetividade de canabinoides para tratar sintomas de esclerose múltipla, náuseas e vômitos associados à quimioterapia.

Questionado pelo site da Cultura, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos reafirmou o que publicou na cartilha: “Pesquisas foram feitas com relação ao canabidiol (CBD), mas ainda insuficientes, que demonstram sua eficácia. Ilustra esse entendimento a Nota de 17/05/2017 emitida pelo Conselho Federal de Medicina e pela Associação Brasileira de Psiquiatria acerca do assunto: As duas entidades reiteram aos médicos o entendimento de que somente o canabidiol, um dos derivados da cannabis sava L., por ter mínimos estudos em forma de pesquisa, tem a autorização para sua prescrição no tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes refratários aos métodos convencionais.’”

No dia 28 de dezembro, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos publica uma nova nota sobre a cartilha, onde desmente as "informações falsas" contidas nela e apontadas por veículos.

Falta de estudos científicos para a produção da Cartilha

Além da falta de informações em relação à Cannabis medicinal, o que mais incomodou Nocetti foi a não citação das informações em audiências públicas sobre o assunto. “Em uma das dezenas de audiências públicas que foram feitas, foram chamadas entidades internacionais que trouxeram dados muito bem embasados de seus próprios países mostrando exatamente o contrário disso (a não comprovação da cannabis medicinal).”

A médica explica que o fato dessas informações terem sido expostas em uma audiência pública, a informação passa a ser pública. Então, não há explicação para esses dados estarem ausentes.

Outro estudo que foi deixado de lado na cartilha foi o da senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP), feito em 2020. Uma das informações mais importantes é que 79% das pessoas que responderam às pesquisas são a favor da distribuição de medicamentos à base cannabis de forma gratuita pelo SUS. Fonte é o Datasenado.

Sobre os critérios para escolha dos estudos científicos, o Ministério apenas falou que foi realizada uma ampla pesquisa científica, possibilitando o desenvolvimento de uma cartilha com informações cientificamente comprovadas.

Opinião sobre a cartilha

Sobre a qualidade do conteúdo da cartilha, Nocetti é bem direta: “É contraproducente o desenvolvimento de materiais assim sem estudo científico e trazendo uma ideia equivocada do real potencial terapêutico e de melhora de qualidade de vida”.

Além disso, a médica criticou a mistura de informações do uso medicinal e recreativo da Cannabis. “A gente precisa refletir sobre o impacto dessa informação na qualidade de vida das pessoas. Porque está confuso, está dúbio, misturando o uso adulto com o medicinal, misturando o uso de cannabis com o de todas as drogas”.

Perguntado se há a possibilidade do conteúdo da cartilha ser revisado, o Ministério afirma que não vislumbra essa necessidade no momento.

Debate sobre a Cannabis na ONU

A Comissão de Drogas Narcóticas da ONU (Organização das Nações Unidas) retirou a maconha da Lista 4 da Convenção sobre Drogas de 1961, de drogas consideradas perigosas e sem potencial terapêutico. A droga passou para a Lista 1, para as quais a ONU também recomenda controle, mas que podem ser prescritas por motivos médicos.