Fundação Padre Anchieta

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Criado no final da década de 1980, o acrônimo VUCA ganhou popularidade como uma forma de sintetizar o mundo que aguardava pela chegada do século 21. A palavra é composta pelas iniciais em inglês de volátil, incerto, complexo e ambíguo.

Nascido no meio militar, o conceito foi adotado pelo mundo dos negócios e se tornou uma citação frequente em livros de gestão e artigos de CEOs. A ideia era utilizá-lo como referência para tentar estabelecer alguma ordem ao caos e algum grau de previsibilidade mesmo diante de uma série de fatores sobre os quais ninguém consegue ter controle.

Os contornos absurdos do mundo atual tornaram a sigla VUCA quase ingênua, contudo. Nossa vida está bem mais caótica do que há três décadas, não só por conta da pandemia de covid-19 (o que já seria mais que suficiente para a sensação de caos), mas também pelas instabilidades políticas, as turbulências decorrentes do avanço rápido da tecnologia e pelo agravamento de problemas ambientais e sociais, a exemplo do desemprego e do racismo.

Todos os sistemas estão mudando drástica e rapidamente – o comércio, o consumo, o trabalho, a circulação de informações, as relações pessoais. A capacidade de interpretar rapidamente e lidar com novas circunstâncias, muitas delas totalmente imprevistas, nunca foi tão necessária.

Ao considerar que o conceito VUCA se tornou definitivamente obsoleto neste 2020, o futurologista norte-americano Jamais Cascio, cuja trajetória como pesquisador mistura Tecnologia com Antropologia e História, propôs a adoção de uma nova sigla para definir o mundo que está emergindo: BANI, palavra compostas pelas iniciais em inglês de frágil, ansioso, não-linear e incompreensível.

“É uma estrutura para articular as situações cada vez mais comuns em que a simples volatilidade ou complexidade são lentes insuficientes para entender o que está acontecendo”, explicou Cascio no artigo em que apresentou a ideia. “Situações em que as condições não são simplesmente instáveis, e sim caóticas. Nas quais os resultados não são simplesmente difíceis de prever, são completamente imprevisíveis.”

Pequenas decisões, grandes consequências

Para entender melhor o que Cascio quis dizer com cada uma das letras da sigla, comecemos pela primeira: B, de brittle (frágil). É uma referência à suscetibilidade de todos nós, pessoas, empresas e governos, diante de situações inesperadas e potencialmente catastróficas, como a pandemia de covid-19. Num mundo BANI, observa Cascio, um sistema frágil pode parecer que está firme e sólido mesmo quando está à beira do colapso.

Um exemplo dessa lógica seria o de uma determinada cultura agrícola que bate recorde de produtividade numa safra e na seguinte é dizimada por uma praga. Ninguém veria essa cultura como frágil até surgir a praga – assim como, até recentemente, ninguém veria a humanidade sendo inteiramente submetida a uma pandemia ou a democracia ser considerada um sistema sob risco em várias partes do mundo.

É justamente essa sensação de fragilidade – agravada pelas mudanças climáticas, pela perspectiva de escassez de água e dificuldades de produção de comida para todos – que remetem ao “A” da sigla BANI. O mundo está cada vez mais ansioso.

“Em um mundo ansioso, toda escolha parece ser potencialmente desastrosa”, diz Cascio. Trata-se de um sentimento intimamente ligado à depressão e ao medo, alimentado pela espera tensa e a certeza de que logo chegará uma nova má notícia. Não por acaso, a pandemia em curso não é apenas de covid-19: será também de problemas mentais, impulsionados pela ansiedade.

Já o “N” da sigla é uma menção a “não-linear”. “Em um mundo não-linear, causa e efeito são aparentemente desconectados ou desproporcionais”, descreve Cascio. A própria origem especulada para a covid-19 é um exemplo de como pequenas decisões podem resultar em consequências enormes.

Por conta da ação de uma única pessoa, que teria interferido na vida selvagem dos seus arredores, a vida de todos os 7,8 bilhões de habitantes do planeta foi profundamente atingida. Ao mesmo tempo, a ação daquela única pessoa não pode ser credenciada apenas a ela, pois resulta de um sistema muito mais amplo. Sob esse prisma, a pandemia de 2020 pode ser vista como uma alerta para mudarmos de rumo, como humanidade, enquanto ainda há tempo.

Riscos da Inteligência Artificial

Por fim, chegamos ao “I” de incompreensível. Isso diz respeito à falta de sentido que temos visto em muitas ações e eventos. Um exemplo neste exato momento é o absoluto descuido que muitos brasileiros estão tendo em relação à pandemia, mesmo com os números demonstrando claramente a necessidade de isolamento social.

Espantosamente, a facilidade de acesso a informações parece prejudicar a compreensão do mundo. O efeito tem sido o inverso: ainda mais confusão e descrédito em relação à ciência e às fontes até então consideradas confiáveis.

Projeta-se que a evolução da Inteligência Artificial tende a ampliar cada vez mais a nossa sensação de que o mundo está se tornando incompreensível. Afinal, como poderemos entender o resultado de uma análise que leva em conta milhões de fatores em uma fração de segundo? Ao mesmo tempo, como poderemos confiar plenamente que não ocorrerão bugs, falhas e manipulações? Os algoritmos ganharão, cada vez mais, vida própria – uma teia de informações e de interpretações sobre a qual nem mesmo os programadores terão controle e plena compreensão.

“À medida que a Inteligência Artificial se torna mais integrada a nossas vidas diárias, temos que prestar muita atenção às maneiras pelas quais algoritmos complexos podem levar a resultados racistas, sexistas e outros tendenciosos”, adverte Cascio.

Respostas ao mundo BANI

Para o futurólogo, não estamos falando de um cenário temporário de caos. Trata-se do novo normal. “Passamos da água ao vapor”, ele afirma. Ainda assim, Cascio não gosta de parecer pessimista, por um motivo bem prático: sobrevivência. “O perigo desse impulso é que ele pode facilmente se tornar um gatilho para a rendição, um turbilhão para o desespero.”

Cascio diz que a estratégia para encarar o mundo nesta década que está começando é buscar respostas na própria sigla BANI: resiliência para enfrentar a fragilidade, empatia contra a ansiedade, flexibilidade para lidar com a não-linearidade, transparência e intuição para encarar a inevitável incompreensibilidade que muitas vezes sentimos diante da raça humana.