Por que a maioria das assistentes virtuais são mulheres – até a Unesco cansou disso
Na quarentena, houve um crescimento de 47% no uso de assistentes virtuais por voz, segundo a empresa de ciência de dados Ilumeo.
05/01/2021 19h20
Na quarentena, houve um crescimento de 47% no uso de assistentes virtuais por voz, segundo a empresa de ciência de dados Ilumeo.
Mas quando você pensa em assistentes virtuais, rapidamente vêm à sua mente nomes como Cortana (Windows), Alexa (Amazon), Siri (Apple), Bia (Bradesco), Cris (Crefisa) e Lu (Magazine Luíza).
Agora tente lembrar de algum assistente virtual que não tenha nome de mulher. Eles existem, mas são bem poucos. Na Gollog, o braço de logística e encomendas da Gol, o assistente virtual é um robozinho branco, apelidado de Gil.
Na Volkswagen, alguns modelos da montadora vêm com o manual cognitivo embutido no carro. Eles não têm gênero. Levam o nome do automóvel. Basta dizer o nome do modelo (por exemplo, “Oi, Tiguan”), que a assistência virtual começa.
Mas esses casos são raros. Tão raros que até a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) resolveu dizer: “Espera, aí! Tem algo errado!”
A agência especializada das Nações Unidas divulgou um documento em que condena o uso indiscriminado de nomes e imagens femininas para assistentes virtuais. Para a Unesco, essa prática “reflete, reforça e dissemina o preconceito de gênero”.
Para os especialistas em marketing, a maioria das assistentes são femininas porque, no imaginário popular, a voz e a figura da mulher são dóceis, subservientes, sempre disponíveis e prontas para ajudar.
“O público gosta das vozes femininas, da percepção de acolhimento”, diz Cassiano Maschio, diretor comercial e de marketing da Inbenta, que faz chatbots para clientes como Renner, Estácio, Gympass, Claro, Gol, CVC. Foi a InBenta que criou o Gil, da Gollog, por exemplo.
Mas é nesse imaginário do público em que mora o “x” da questão. As assistentes virtuais reforçam a ideia de que as mulheres precisam ser dóceis, subservientes. E que só elas devem cuidar.
“A mulher é reconhecida como cuidadora oficial e dela se espera sempre uma mensagem acolhedora e dócil. Quando a mulher é firme, direta ou mais incisiva, recebe respostas como ‘está de TPM?’, ‘chefa brava’ ou ‘mamãe maluca”, diz Daniela Graicar, criadora do movimento Aladas pelo empreendedorismo feminino e diretora do selo WOB (Women on Board) que reconhece empresas com duas ou mais mulheres em conselhos.
“Esse estigma, faz com que muitas mulheres não se sintam à vontade no ambiente corporativo, principalmente em cargos de liderança e empreendendo. É como se elas estivessem no lugar errado”, completa ela.
Na força de trabalho envolvida na criação dessas tecnologias de voz, segundo a Unesco, elas são a minoria: 90% desse pessoal é homem. Ou seja, são os homens que programam o que elas falam aos usuários. E daí surgem os clichês.
Tem hora que tudo bem
É claro em que há casos em que realmente a figura feminina é necessária, ou é a que mais combina com o atendimento. A rede de moda feminina Mob, por exemplo, lançou a Olivia, uma assistente virtual que reconhece a localidade e a temperatura da cidade ou país onde a consumidora está e sugere os looks mais adequados. Como o público da loja é feminino, a empresa escolheu também uma assistente mulher.
“Ficaria Corada se Pudesse”
O documento da Unesco já surtiu alguns efeitos. Depois de lançado, no início do ano, a Apple mudou a programação de algumas das respostas da Siri. Quando o usuário a chamava de nomes chulos, ela respondia: “Ficaria Corada se Pudesse”. Agora, a assistente diz: “não vou responder a isso”.
Mas a Unesco recomenda mais ações, como acabar com a prática de criar assistentes digitais femininas por “default”; programar os robôs para desencorajar insultos de gênero e linguagem abusiva e desenvolver assistentes de voz que não sejam masculinos nem femininos.
Precisa de carinha?
“A maioria das marcas escolhe um personagem para tentar humanizar o atendimento”, diz Maschio. “Mas claro que isso é muito dúbio, tentar humanizar um robô”, afirma ele.
Em alguns casos, as marcas simplesmente preferem assumir que quem está ali, ajudando o consumidor, é um robô. É o caso do “Minha Claro”, da Claro. Ou do chat do banco C6 Bank, que se chama apenas “chat”. Se a pergunta não for esclarecida, logo o assistente mostra a opção de se falar com atendente humano.
“Isso tira certas expectativas do público, diminui, por exemplo, as perguntas feitas por brincadeira, e o atendimento é mais efetivo”, diz Maschio.
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