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João Vasconcelos
João Vasconcelos

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu no dia 4 deste mês a desocupação de áreas habitadas até o dia 31 de dezembro deste ano. A ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, aberta pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), apresentou dados da Campanha Despejo Zero, uma ação que luta pela suspensão de desapropriações durante a pandemia. De acordo com a campanha, mais de 9.156 famílias foram despejadas entre março de 2020 e fevereiro de 2021.

Esta não foi a única vitória desta causa. Isso porque o Projeto de Lei (PL) 827/2020, que suspende a execução de ordens de despejos, foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora segue para apreciação do Senado Federal. Caso aprovado, o PL deve ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Entretanto, em discurso feito a apoiadores em frente ao Palácio do Planalto na segunda-feira (7), Bolsonaro criticou a decisão de Barroso de suspender as desapropriações, mostrando discordar da luta por moradia no país. "O ministro Barroso aceitou agora uma petição do PSOL. Olha só a que ponto chegamos, né? De modo que quem invadiu terra ou está ocupando imóvel desde antes da Covid, pode ficar mais seis meses numa boa, tranquilo. É o fim da propriedade privada", afirmou o presidente na ocasião.

Para entender a importância da política habitacional no país e a necessidade da suspensão de despejos durante a pandemia, o site da TV Cultura conversou com o socioambientalista Thiago Ávila, que atuou em defesa do processo de despejo no CCBB em Brasília, e com Lucas Barbosa, coordenador do MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) no estado de São Paulo.

A importância da mobilização

João Vasconcelos

No contexto de ausência de políticas habitacionais, a mobilização dos próprios moradores tem um papel importante para a manutenção da vida. A ocupação do CCBB em Brasília é um exemplo de como essas ações podem conquistar e influenciar decisões que beneficiam a luta como um todo. 

A ocupação, localizada a 1km do Palácio da Alvorada, abriga pessoas desde a década de 1980 que “viram Brasília nascer, mas são pessoas invisíveis", segundo Thiago Ávila. Cerca de 38 famílias que residiam na região sofreram sucessivos despejos entre 2020 e 2021. No entanto, essas ações estavam proibidas, segundo a liminar da 8ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal.

Em abril deste ano, o governador Ibaneis Rocha (MDB) entrou com um pedido de suspensão desta liminar no Supremo Tribunal de Justiça (STJ). O presidente do STJ Humberto Martins autorizou sob o argumento de que não se tratava de uma ocupação antiga, e que na verdade teriam sido ‘invadidos’ em setembro de 2020, e por esse motivo não se aplicaria a Lei Distrital 6.657/2020, que protege as famílias contra despejos.

Na decisão, o ministro acrescentou ainda que “as medidas excepcionais decorrentes de Covid-19 não impedem o imediato desalojamento das famílias ali presentes".

Sobre a decisão, Ávila explica que os reiterados despejos realizados por parte do governo transformam as moradias em novas construções

“Elas estão num limbo de uma crueldade muito grande, porque elas vivem lá tradicionalmente, só que o governo realiza despejos sucessivos nelas, e nenhuma das leis protege famílias de novas edificações desde que a pandemia foi decretada. Então elas vivem lá, só que pelo fato de o governo ter derrubado, quando elas tentam reorganizar sua casa, eles derrubam de novo dizendo que é uma construção nova”, esclarece o socioambientalista.

A polícia retornou ao espaço três dias após a decisão do STJ para desabrigar as moradias e derrubar a Escolinha do Cerrado, espaço construído em julho de 2020 para atender 18 crianças que não possuíam acesso à educação a distância. 

Uma corrente de moradores foi criada em volta da estrutura para impedir a demolição, o que foi brutalmente reprimido com uso de bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha pelas forças da Polícia Militar sob fiscalização do DF Legal, resultando na prisão de quatro militantes, entre eles o ambientalista Thiago Ávila. 

A abordagem violenta por parte da polícia gerou repercussão e críticas de figuras políticas, como do coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) Guilherme Boulos. 

Também provocou uma grande campanha de solidariedade nas redes. A ADPF 828 encaminhada ao STF é fruto da indignação e da luta dos moradores do CCBB.

Ilegalidade das ações

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Para Thiago, esses acontecimentos demonstram que "o Brasil está ao contrário, e nós precisamos mudar essa realidade”, afirma. Isso porque estão em curso diversos instrumentos jurídicos que protegem as famílias dos despejos durante a pandemia.

Além da Lei Distrital 6.657/2020 do DF, do PL 827/2020 em curso no senado e a recente decisão do ministro Luís Roberto Barroso do STF sobre a ADPF 828, há também a recomendação nº 90 do Conselho Nacional de Justiça de 2021 e a resolução nº 10 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos de 2018 que também preveem cautela e suspensão de ações de desapropriação.

Contudo, as violações de direitos recorrentes agem também para mobilizar a sociedade contra injustiças, o que, de acordo com o socioambientalista, é o que transformará o mundo.

“A gente tinha escravidão como lei no Brasil, tinha o genocídio indígena justificado no processo de colonização, então a gente precisa questionar as leis atuais, e onde elas já são a nosso favor, a gente precisa ter capacidade popular de fazer essa lei valer”, afirma o militante.

A questão da moradia para além da pandemia

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As mobilizações e os debates em prol da moradia digna antecedem a crise sanitária atual no país e tem ganhado força desde a década de 1990.

“Em qualquer circunstância tirar as pessoas de suas casas é uma violência. A gente sabe que a pandemia traz esse aumento ainda maior do senso de urgência e de emergência dessa medida, mas essa é uma medida humanitária. Nós temos um país continental, nada justifica uma pessoa sem casa ou sem terra pra trabalhar, nada justifica”, defende Thiago Ávila.

A falta de planejamento urbano e os altos índices de especulação imobiliária, que privam a função social dos espaços, provocam a crise habitacional no país e contribuem para a crescente construção de moradias precárias.

Segundo o Observatório de Remoções do LabCidade, entre 2017 e 2021, 219.947 famílias, apenas na região metropolitana de São Paulo, foram ameaçadas de remoção. Sobre os espaços que essas pessoas ocupam, 71% são públicos e 86% são terrenos vazios. O estudo ainda estima que a região abriga 134 ocupações com presença de movimentos de moradia.

Criminalização

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A crescente criminalização desses movimentos tende a marginalizar ainda mais as pessoas que vivem sob risco de remoção. Para Lucas Barbosa, “as próprias famílias, antes de se organizarem, já são famílias que vivem essa segregação de espaço, então nós já estamos sob essa marginalização, em outras palavras, a exclusão do povo pobre, a ter direito não só a moradia, mas um direito à cidade”.

De acordo com o coordenador, antes de existir o MLB, movimento que organiza as famílias em situação de vulnerabilidade para lutar pelas suas casas, existe uma “contradição na sociedade que caracteriza o movimento social, que luta por um direito que é constitucional, sob um estereótipo de sem teto, invasor e oportunista”.

O direito à moradia é garantido pelo art. 6º da Constituição Federal. Sobre a utilidade dessas garantias e leis diante da atual gestão do país, que torna a luta pela moradia desesperançosa, Lucas Barbosa acredita que seja “um elemento importante para mudar a correlação de forças, porque isso fortalece as ocupações já existentes”.

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