O perigo de falar sobre direitos LGBTQPIA+ somente em junho
Datas comemorativas do calendário nacional e internacional, que apontam para determinados marcos históricos da sociedade, são uma forma importante pela qual a mídia, o empresariado, o poder público e a sociedade civil organizada somam esforços para promover diálogo, conscientização e transformação social.
20/06/2021 08h44
Datas comemorativas do calendário nacional e internacional, que apontam para determinados marcos históricos da sociedade, são uma forma importante pela qual a mídia, o empresariado, o poder público e a sociedade civil organizada somam esforços para promover diálogo, conscientização e transformação social.
Assim em junho, no Brasil e no mundo, vemos esforços massivos para destacar a pauta LGBTQPIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers, pansexuais, intersexuais, assexuais e todas as ramificações da diversidade sexual). Como a Parada do Orgulho LGBTQPIA+, que antes era presencial e que, neste ano, devido à pandemia, foi realizada de forma virtual.
Ao longo do mês de junho, uma série expressiva de comerciais e propagandas televisivas que asseguram a representatividade LGBTQPIA+, incluindo casais homotransafetivos no Dia dos Namorados foram veiculados em larga escala.
Além disso, grandes empresas investem em palestras, treinamentos, hasteamento de bandeiras, adesivagem na infraestrutura e lançamento de programas de contratação direcionados a este público especificamente.
O ponto de atenção aqui é que as pautas de diversidade, sociedade e meio-ambiente são tão amplas, que acabamos em certa medida por não somente concentrar, mas restringir determinadas conversas importantes a períodos exclusivos do ano, ou até mesmo mediante gatilhos de violações de direitos humanos.
Neste sentido, focamos pessoas trans em janeiro, mulheres em março, LGBTQPIA+ em junho, pessoas negras em novembro, e todos os outros temas do calendário corporativo em seus, equivocadamente considerados, respectivos meses.
Do meu ponto de vista, uma forma simplista e rasa de compreender os desafios que temos no Brasil, as relações humanas e o novo marco civilizatório que estamos tentando construir com foco na valorização da diversidade. Primeiro porque, nessa perspectiva, esquecemos da interseccionalidade. Ou seja, pessoas LGBTQPIA+ são também mulheres e homens, negros e brancos, pessoas com e sem deficiência, jovens e idosos. São ainda católicos, evangélicos, budistas, umbandistas, ateus, e com as mais variadas percepções de sociedade.
Em segundo porque quando isolamos temas em um determinado mês, deixamos de pensar e atuar de forma consistente, ao longo de todo ano, com ações grandes, médias e pequenas, gradativas que assegurem a mudança na qualidade da vida das pessoas cotidianamente.
Em terceiro porque um único mês é pouco para concentrar o debate de temas tão variados, com similaridades, mas também com particularidades completamente distintas, como a homossexualidade, a bissexualidade, a pansexualidade e a assexualidade, isso falando apenas de orientação sexual. Ou ainda, exemplificando, a vivência de corpos transgêneros (travestis e transexuais) em uma sociedade constituída historicamente por uma hegemonia cisgênero. O que por vezes chamamos de “CIStema”, para fazer uma analogia a palavra “SIStema”.
Por fim, e mais grave, porque deixamos de lado o debate multidisciplinar, no qual, por exemplo, pessoas LGBTQPIA+ podem e devem ser celebradas, reconhecidas e representadas em todos os campos e esferas sociais. Inclusive com especialistas aptos e capazes a falar sobre os mais variados temas, como – por exemplo – ESG (questões sociais, ambientais e de governança), estratégia de negócios, pandemia e afins.
Ainda podemos dizer que no país que lidera o ranking de assassinato de pessoas trans, e mata um homossexual a cada 26 horas, certamente, enfatizar o tema de direitos LGBTQPIA+ somente uma vez por ano não irá resolver o problema.
A inclusão de LGBTQPIA+ tem que ser uma pauta cotidiana, que deve estar presente em pensamentos, gestos e a cada tomada de decisão e interação social que fazemos. Pois é, juntos, em nossas ações diárias, que construímos a cultura da sociedade. E essa cultura precisa de uma vez por todas ser mais inclusiva!
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