Artista hostilizada por skatistas denuncia machismo: “Resistir é uma palavra bonita, mas cansa”
Atriz e bailarina Taciana Bastos fala sobre machismo enraizado no skate e como o espaço público deveria ser de todos, e não só do homem
29/10/2021 11h59
No último sábado (23), repercutiu nas redes sociais um vídeo que mostra uma mulher que tentava filmar passos de dança, mas foi interrompida por um homem. Nas imagens, que geraram quase nove mil curtidas no Instagram, é possível ver a atriz e bailarina Taciana Bastos tentando trabalhar, enquanto sua colega gravava. Com poucos segundos de registros, um homem bate no celular e questiona: “Quem você pensa que é para estar gravando aqui?”
Apesar de ter viralizado, a cena registrada no Vale do Anhamgabaú é normal. Corriqueiramente, homens se sentem no direito de subjulgar mulheres por estarem fazendo algo que eles não pensam ser correto.
O que aconteceu
Taciana contou que ela e suas amigas tinham ido ao local para andar de skate enquanto algumas amigas davam uma entrevista. Ao pedir para sua amiga gravar um vídeo teste de alguns de seus passos, o homem que gravava manobras dos skatistas que estavam ao lado das garotas reclamou do lugar utilizado. Após dizerem que o vídeo seria rápido e que não sairiam dali, o rapaz que estava sendo filmado passou na frente da câmera.
“O filmmaker já começou a crescer para cima da gente, discutindo e mesmo assim resolvemos continuar meu vídeo. Eu já estava em cima da hora para entregar, e é ai que rola a cena que o filmmaker bate no celular tirando a câmera da mão da Clissa (amiga que registrou a cena). Depois, outra amiga percebeu a gravidade da situação e se juntou à discussão em nossa defesa. A briga foi separada por um skatista de fora que veio se desculpar e afastar o amigo. Nós garotas sentamos, eu já não tinha mais nenhuma condição de dançar nada e os caras continuaram a filmagem de skate deles”, conta Taciana. A artista relatou uma “sensação de raiva e impotência implodida.”
Veja o vídeo do momento:
Machismo no skate
Em entrevista ao site da TV Cultura, Taciana disse que não se sente segura em ir ao local sem a companhia de outras mulheres. “Eu só me sinto confortável andando num lugar que tenha outras mulheres, geralmente já vou com as minhas amigas”. A dançarina também lembrou que só começou a praticar o esporte aos 23 anos, pois foi com essa idade que ela descobriu skatistas mulheres.
Diversas demonstrações de machismo fazem com que não só a artista, como diversas mulheres, não gostem de compartilhar o mesmo local com homens, principalmente em ambientes dominados pelo sexo masculino. “Sempre me senti mais confortável em lugares mais vazios ou majoritariamente femininos”, alegou Taciana. Ela conta que os “fominhas de espaço” protagonizaram “o episódio mais gritante de imposição de autoridade e machismo” que sofreu no local, mas que atitudes corriqueiras como olhares e julgamentos continuam sendo problemas diários de todas as mulheres.
“Resistir é uma palavra bonita, mas cansa”, destaca a atriz ao contar que a violência cerceia sua liberdade. “Tenho mais vontade do que realmente faço e agora depois desse episódio não sei quando vou ter estômago pra tentar gravar lá de novo”. Ela ainda falou sobre como o skate ainda é um esporte machista nas ruas de São Paulo. “Eu particularmente fico muito apreensiva sempre em relação ao assédio, me ver pensando em como vou me vestir, o que eu posso ouvir na rua (...) como se eu estivesse na rua andando de skate para o agrado dos olhos masculinos e como se eu não soubesse andar por ser mulher”, lamenta.
Representatividade
Para Taciana, o preconceito vem de uma auto-admiração. “Homens tem um pacto de segurança e admiração entre si e daí vem a misoginia”. Para ela, é preciso sair da bolha. “Homens têm que sair desse clubinho de admirar só homem, de achar que só homem sabe fazer bem, parar de colocar as mulheres no lugar do 'outro', do diferente. Precisamos de mais chances, de mais espaços!”
A dançarina acredita que só “trabalhando, gerando sua própria visibilidade e se apoiando” as mulheres podem reverter a situação. Ainda assim, é possível ver uma certa melhora nos últimos anos, mesmo que pequena. “Alguns caras vêm tomando consciência, entendendo que o espaço não é só deles, mas ainda vejo problemas como passar pano para amigos opressores e machistas, o que é igualmente ruim”, relata.
Por fim, a bailarina mostra como é difícil se enxergar nas pistas de skate sendo uma mulher. “Você não vê representatividade, é um ambiente majoritariamente masculino. Homens apoiando homens, é difícil se enxergar num meio assim. A luta das mulheres vem sendo sempre essa: nos enxergar, colocar mulheres, mulheres pretas à vista. Nós existimos, nos apoiamos e merecemos respeito.”
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