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Quando a quarentena começou, em março do ano passado, pouco se sabia sobre o período que estávamos prestes a viver. Os mais otimistas acreditavam que o “ficar em casa” duraria pouco mais de duas semanas e que, logo, tudo voltaria ao “normal”. Já os pessimistas pensaram em dois ou três meses de reclusão, o que já era motivo de alarde. Como a economia iria sobreviver?

Porém, nem mesmo os mais realistas poderiam imaginar que a quarentena seria prorrogada várias vezes, fazendo com que escolas interrompessem atividades presenciais, comércios fossem fechados, clubes, parques, cinemas, suspensos e os escritórios remodelados para o home office. Tudo iria mudar. Nós, também.

Com a iminência do fim - ou a desaceleração - da pandemia é possível afirmar que não saímos do mesmo jeito que entramos. Foram quase dois anos em que o tempo não parou e que relações humanas tiveram que se reinventar.

A proximidade forçada pelo período que passamos enclausurados em casa nos obrigou a conviver com nossos pais e filhos diariamente, mudando as dinâmicas familiares. Com certeza, todos nós tivemos aquele questionamento recorrente, “mas, e quando tudo voltar ao normal?”

E será que existe normal? Será que a vida consegue retornar ao ponto de partida pré-pandêmico, com escolas funcionando integralmente e escritórios abandonando o home office pleno? Ao que parece, o movimento é para que isso aconteça. No estado de São Paulo, escolas já retomaram as aulas presenciais com 100% de capacidade e escritórios trabalham para um retorno gradual dos funcionários.

Mas, e as relações que se construíram em casa? Especialmente, entre pais e filhos que passaram meses no mesmo ambiente e cujas relações foram transformadas, reinventadas e ressignificadas. É hora de voltar para “o mundo normal” com os aprendizados desses últimos meses.

Com isso em mente, Camila Antunes, cofundadora da 'Filhos no Currículo' - consultoria de impacto que atua para tornar empresas o melhor lugar para mães e pais trabalharem e se desenvolverem, a partir de projetos pautados nos temas de inteligência emocional, equidade de gênero e parentalidade - reitera que a pandemia renovou as habilidades de adaptações dos profissionais que ficaram em casa.

“Com o fortalecimento do vínculo afetivo, muitos pais ressignificaram a relação entre trabalho e família durante a pandemia. Além disso, perceberam que são capazes de se adaptar a novos formatos e, ainda assim, garantir boas entregas em ambientes humanos, acolhedores e pautados na relação de confiança”, aponta Camila.

Sabemos que ter filhos é uma questão polêmica no ambiente profissional, principalmente para as mulheres, uma vez que a maternidade é vista como causa para a queda de produtividade.

Porém, não é só sobre a decisão de manter as atividades remotas ou presenciais, e sim sobre orquestrar uma cultura que possa valorizar ambos de modo a não deixar que a pessoa em home office se sinta prejudicada ou menos inserida no processo de tomada de decisões. “Por mais que seja concedida uma flexibilidade para essa mãe ou pai trabalhar de casa, ele ou ela poderão ser ‘expelidos’ do ambiente se a cultura do presencial for predominante. Mais do que ter o benefício, esses pais precisam se sentir incluídos ao optar por uma nova forma de trabalho”, explica a executiva.

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A cofundadora do 'Filhos no Currículo' também afirma que a criação de uma cultura deve partir também dos colaboradores, constituindo a forma com que nos comportamos e sugerimos alternativas para incluir e acolher a todos. “É uma oportunidade para os próprios colaboradores sugerirem mudanças e proporem soluções. A cultura é feita de pessoas e, a partir do momento em que todos entendem que são influenciadores, as coisas podem mudar”.

Camila ainda comenta sobre uma alternativa que vem sendo adotada por algumas corporações, com o objetivo de integrar tanto pessoas que já retornaram ao escritório, quanto aqueles que trabalham de casa. “O modelo remote-first, que prioriza o trabalho remoto em primeiro lugar, mantendo o presencial como alternativa não obrigatória, é um dos caminhos que surgem e inspiram empresas”, explica.

Assim como o período incerto de quarentena, a retomada à “vida normal” - se é que ela ainda existe - também pode estar cheia de obstáculos. Todo processo de adaptação e mudança é duro e requer paciência. É importante manter os vínculos criados durante a pandemia e incentivar uma cultura de escuta entre as famílias. Acolha as emoções, sua e a de seus filhos, nesse momento de tantas incertezas, oportunizando espaços de trocas em família. Mantenha forte o vínculo com as crianças, usando novamente a rotina presencial como aliada para a conexão, criando rituais marcantes e prazerosos de despedida e de chegada.”, aconselha Antunes.

Já para as empresas, a executiva aponta a necessidade de ser estabelecida uma posição de empatia e acolhimento em relação aos funcionários que retornam. É importante não esperar que a mudança seja instantânea e repentina. “Ninguém liga e desliga de vida pessoal e profissional, mas integramos em uma única vida”. A criação de um planejamento de retorno bem estruturado, que contenha a previsibilidade dos próximos passos é essencial para que todos tenham tempo de adaptação.

A abordagem incentivada pelo Filhos do Currículo busca ser a mais humanitária possível. Ela prevê que as empresas tenham em mente o bem-estar de seus funcionários, levando em consideração que eles aprenderam a existir e sobreviver durante mais de um ano reclusos em casa, sob a incerteza do que seria o mundo pós-pandêmico.

Um exemplo é o Banco BV, uma corporação que, em conjunto com a consultoria propõe um Programa de Parentalidade que acolhe funcionários que são pais. Uma das medidas implantadas é a opção de home office ou modelo híbrido até um ano depois do nascimento ou adoção do(s) filho(s).

Invariavelmente, o retorno ao “normal” irá acontecer. O processo agora consiste em abandonar a ideia de que a pandemia foi apenas uma grande "pausa" no cotidiano e que tudo seguirá como antes. As pessoas mudaram, aprenderam, sobreviveram durante a quarentena. Lidaram com a incerteza, o luto, o apego e a distância. Para que a volta exista e aconteça de forma harmônica é preciso a colaboração e compreensão de todas as partes envolvidas.

“Para muitos, esse será o momento de repensar aquilo que não querem mais. Modelos inéditos de trabalho serão construídos, pois os colaboradores, principalmente aqueles com filhos, querem frequentar um ambiente no qual se sentem valorizados e suas famílias também”, destaca Antunes.

Veja reportagem para o Jornal da Tarde: 

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