Ataques a indígenas alegando que as pessoas são de origem venezuelana. Técnicos europeus atacados sistematicamente por outros profissionais do futebol brasileiro. Um vereador gaúcho critica o perfil de trabalho de cidadãos vindos da Bahia. O que todos esses casos têm em comum? Todos são ataques xenófobos.
Xenofobia significa atitude ou comportamento, que podem ser caracterizados por medo, rejeição, agressão física ou verbal, contra uma pessoa ou um grupo proveniente de um lugar diferente do seu. Na atual sociedade, é mais comum acontecer com um estrangeiro.
Os casos citados acima só são uma parcela de uma onda que cresceu no Brasil nos últimos anos. Dados da Central Nacional de Denúncias da Safernet, organização que visa a defesa dos direitos humanos na internet, mostram que as denúncias de xenofobia nas redes sociais aumentaram 874% entre 2021 e 2022.
Segundo o levantamento, 2022 foi o terceiro ano eleitoral consecutivo em que os crimes de discurso de ódio apresentaram crescimento em relação ao ano anterior.
Influência das redes sociais
Durante participação no Roda Viva, a jornalista filipina Maria Angelita Ressa, vencedora do Prêmio Nobel da Paz e criadora do maior portal de notícias de seu país, o Rappler, critica os algoritmos das redes sociais e como essas plataformas se tornaram campos férteis para ataques de ódio.
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“Os tipos de ataques que atingem meu gênero, minha sexualidade. E ele encoraja o sexismo e a misoginia. Isso não acontece somente comigo. As mídias sociais incitam o que há de pior na natureza humana”, contou no programa.
Em outro momento do programa, Ressa explica como esses algoritmos jogam a favor de publicações que contam mentiras e são violentas.
“O problema fundamental é que, segundo uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em 2018, as mentiras se espalham pelo design mais rápido do que fatos. Se você combinas raiva e ódio com o discurso de ’nós contra eles’, teremos uma amplificação que nunca tivemos antes”, completa a jornalista.
História da xenofobia no Brasil
Vale lembrar que a origem da xenofobia no Brasil vem desde antes das plataformas digitais ganharem força. Ela já existia no país. De acordo com Gabriel da Fonseca Onofre, Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor de História e de Sociologia do Sistema de Ensino pH, o preconceito contra o imigrante remete do século XIX.
“Um projeto de identidade nacional, gestado pelo Estado monárquico e continuado pelo governo republicano, buscava afirmar um Brasil branco, católico e descendente de europeus. Isso explica como pode acontecer simultaneamente a abertura e o incentivo à vinda de imigrantes brancos europeus, com o claro objetivo de embranquecer a população, e a exclusão e proibição de africanos e asiáticos, exceção feita posteriormente a japoneses e chineses”, afirma o professor.
Onofre também ressalta que o projeto xenófobo do governo brasileiro refletiu na população brasileira. Mesmo sem uma política anti-imigrante, o povo segue com comportamentos de ódio contra estrangeiros.
“Podemos lembrar das ações e manifestações antilusitanas do período monárquico às agressões aos árabes após os ataques do 11 de setembro em 2001 e aos chineses durante a pandemia de Covid-19”, completa.
Mas por quais motivos, em um mundo tão globalizado, ainda exista esse tipo de preconceito? O professor afirma que não há apenas uma explicação para o aumento de denúncias e lembra que não é um fenômeno exclusivamente brasileiro.
“Há variadas explicações e que não necessariamente são excludentes: tentativa ingênua de reforço das identidades sob o temor provocado pela chegada de pessoas de outras culturas, línguas, religiões e etc; preocupação com a questão econômica; mobilização política de movimentos e partidos políticos de extrema direita que difundem um discurso de ódio e intolerância com o objetivo de capitalizar politicamente”, explica Onofre.
Combinação de preconceitos
Muitos ataques xenófobos estão de mãos dadas com outro tipo de preconceito: o racismo. Ao redor do mundo, muitas denúncias sobre preconceito contra estrangeiros têm vítimas pertencentes a grupos de minorias sociais, especialmente negros.
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“No ano passado, tivemos, por exemplo o assassinato do refugiado congolês Moïse no Rio de Janeiro. A morte trágica desse trabalhador pobre, que chocou o país, mostra como, muitas vezes, a xenofobia só pode ser compreendida associada ao racismo e à questão de classe”, lembra Onofre.
Combate
Assim como em outras formas de preconceito, o melhor caminho para combater a xenofobia é por meio da educação. Mas há outras alternativas que podem acelerar esse processo e causar efeitos mais imediatos na sociedade brasileira.
O governo, em todas as suas esferas, é quem pode liderar o combate contra esse tipo de preconceito. O professor indica os caminhos para tornar essa luta mais justa para as vítimas.
“Uma, é a via da promoção de políticas públicas, sobretudo na educação, com o intuito de difundir atitudes e valores mais inclusivos e tolerantes, conscientizando a sociedade sobre a importância de se respeitar e aceitar o “outro”; o segundo caminho é o da lei, que exige a responsabilização dos indivíduos que cometem crimes xenofóbicos”, finaliza.
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