O escritor, poeta e compositor Antônio Cícero morreu por eutanásia aos 79 anos, na Suíça. Ele sofria do mal de Alzheimer e se submeteu ao procedimento de morte assistida devido ao esquecimento "insuportável" que enfrentava nos últimos anos. A morte foi confirmada pela Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual era membro desde 2017.
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Cícero chegou a escrever uma carta de despedida, divulgada nesta quarta-feira (23), para esclarecer sua decisão. No texto, ele aponta que não reconhecia muitas pessoas com as quais já conviveu e não se sentia capaz de "escrever bons poemas" ou se "concentrar para ler". Ele estava no país com seu parceiro Marcelo Fies.
Natural do Rio de Janeiro, Antônio Cícero se dedicou à carreira de poeta desde a infância, e se formou em filosofia em dois momentos diferentes pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele ainda teve passagem pela Universidade de Londres, depois de sofrer um exílio durante a ditadura militar brasileira.
Cicero sempre dividiu suas paixões entre a poesia e a filosofia, não é à toa que seu texto mais famoso é "Guardar" (1996), considerado um dos "cem melhores poemas brasileiros do século" por Ítalo Moriconi. Um dos trechos iniciais do poema descreve bem sua dualidade: "Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la./ Em cofre não se guarda coisa alguma./ Em cofre perde-se a coisa à vista./ Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado".
Após investir parte da vida para a filosofia, Cícero passou a se dedicar na composição de letras para as melodias de sua irmã, a cantora Marina Lima, como ocorreu nos grandes hits "Fullgás" (1984), "Charme do Mundo" (1981) e "Pra Começar" (1986). Ele se tornou um dos letristas mais renomados da Música Popular Brasileira (MPB).
Confira a carta de Antonio Cicero:
Queridos amigos, encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi. Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo. Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas - senão a coisa - mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los. Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo. Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade. Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços.
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