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Polícia de choque dispara gás lacrimogêneo contra a multidão para dispersar manifestantes contra a lei de segurança nacional durante uma marcha no aniversário da transferência de Hong Kong à China do Reino Unido em Hong Kong, em 1 de julho de 2020
Reuters
Polícia dispara gás lacrimogêneo contra multidão para dispersar manifestantes contra a lei de segurança nacional em 1 de julho de 2020

Com o Reino Unido abrindo suas portas para três milhões de residentes de Hong Kong e a China ameaçando uma retaliação séria pelo que vê como intrusão em seus assuntos domésticos, a crise de Hong Kong está se tornando um teste de diplomacia em tempo real em um mundo ainda focado no combate a uma pandemia.

E o que esse drama nos diz sobre o lugar emergente da China na nova ordem mundial? E que luz lança sobre os problemas muito particulares colocados, pós-Brexit, para os esforços do governo britânico de implementar uma política externa nova e otimista sob a bandeira de "Global Britain" (Grã-Bretanha global)?

Um questão que muito fazem é se essa crise era inevitável. As coisas poderiam ter sido muito diferentes. Por mais de duas décadas, a maioria dos formuladores de políticas no Ocidente esperava que a ascensão da China se desenrolasse de uma maneira muito específica.

Dizia-se que a China se tornaria uma "parte interessada responsável" na comunidade internacional. Em outras palavras, obedeceria a acordos e normas internacionais porque, como parte do sistema, estaria se beneficiando delas tanto quanto qualquer outra pessoa.

Talvez nesse tipo de mundo o acordo firmado entre os governos britânico e chinês sobre o futuro de Hong Kong tivesse sobrevivido.

Mas as coisas não acabaram assim. A ascensão da China foi rápida e determinada. Tornou-se uma superpotência militar, pelo menos em sua própria região — e que, mesmo se fosse mais perto, os poderosos Estados Unidos teriam dificuldades para enfrentar.

Mas sua ascensão também ocorreu no momento em que o Ocidente em geral e os Estados Unidos em particular estavam distraídos. Houve a guerra contra o terrorismo e a crise na Síria. A Europa teve a distração do Brexit.

E houve o governo Trump nos Estados Unidos, que não foi consistente com as políticas relacionadas à China — de fato, faltou um estratégia na política externa em geral.

Edifícios são vistos com as bandeiras de Hong Kong e da China, uma comemoração de apoiadores pró-China depois que o parlamento da China aprovou a lei de segurança nacional para Hong Kong, em Hong Kong, em 30 de junho de 2020
Reuters
Edifícios são vistos com bandeiras de Hong Kong e da China, uma comemoração de apoiadores pró-China depois que o parlamento da China aprovou a lei de segurança nacional para Hong Kong

A ascensão da China nos últimos cinco anos coincidiu não apenas com um relativo declínio da posição de Washington no exterior, mas com um declínio absoluto, em que se observou todos os sistemas de aliança de Washington na Ásia, Europa e Oriente Médio mergulhando em crises.

Embora os problemas entre o Ocidente e a China tenham crescido em número, não houve uma visão conjunta de que esses elementos — as tensões comerciais, rivalidades tecnológicas, questões estratégicas e assim por diante — pudessem indicar que o "problema da China" fosse grande o suficiente para exigir cooperação e uma resposta coordenada.

Este era o mundo à beira da crise da covid-19, um drama que se originou na China e que inicialmente causou alguns problemas sérios para Pequim, mas um problema do qual claramente estava determinada a tirar vantagem.

Não é por acaso que um resultado nacionalista mais estridente na política chinesa tem sido o resultado disso, variando de tensões com os EUA e a Austrália, a rivalidade sino-indiana em sua fronteira comum e, ainda, a decisão da China de derrubar os fundamentos de seu acordo com o Reino Unido sobre Hong Kong.

De fato, a crise da covid-19 deu a Pequim a oportunidade de trazer à tona a crise de Hong Kong.

Por mais que essa pandemia dure, uma consequência é clara — é improvável que a trajetória da política mais assertiva de Pequim mude, a menos que seja exercida alguma pressão real e coordenada em contrário. E apesar de toda a condenação das atitudes da China em relação às liberdades do povo de Hong Kong, é difícil ver isso acontecendo.

Tanya Chan, no centro, do Partido Cívico, Jimmy Smam (segundo à direita), de uma organização pró-democracia e outros ativista em uma coletiva de imprensa no fim de maio
ANTHONY WALLACE/AFP
Tanya Chan, no centro, do Partido Cívico, Jimmy Smam (segundo à direita), de uma organização pró-democracia e outros ativistas se disseram preocupados com a nova lei

Isso então coloca o governo britânico em uma situação difícil. Atolada em meio à pandemia, questão em que o governo do primeiro-ministro Boris Johnson foi muito criticado, a Grã-Bretanha vê sua política externa — uma abordagem apelidada de "Grã-Bretanha Global" — enfrentando o seu primeiro grande teste.

Ninguém sabe realmente o que significa "Grã-Bretanha Global".

"Tirar o melhor partido de uma situação ruim", é o que muitos oponentes do Brexit poderiam, ,cinicamente, notar. E para ser justo, com a pandemia da covid-19 ocupando muito tempo do governo, é muito cedo para se pronunciar sobre a "Grã-Bretanha Global" com base na experiência de Hong Kong.

Mas o que essa briga com a China faz é destacar os pontos fortes e fracos da atual posição diplomática do Reino Unido. É importante filtrar a retórica e observar a dura realidade.

Hong Kong faz parte da China. A Grã-Bretanha é a antiga potência colonial que não apita muito em Pequim. É quase um consenso que a China rompeu seu acordo — e que busca impor políticas intimidadoras ​e condenáveis de segurança interna no território. Mas a China é uma superpotência e, a Grã-Bretanha, não.

Então, onde isso deixa o governo de Boris Johnson? Muitos comentaristas diriam que ele assumiu uma posição moral ao oferecer abrigo a cerca de três milhões de pessoas de Hong Kong. Esse é um número extraordinário e é notável para um partido cuja base é altamente cética em relação à imigração.

O fato de a China não permitir que muitas pessoas saiam, ou que muitas decidam ficar, ou mesmo que muitas, mesmo que saiam, decidam ir para outro lugar do mundo, não altera o fato de que Johnson, quando confrontado com a pressão chinesa, tentou se colocar em uma posição de superioridade moral.

Mas a diplomacia é composta de muitas coisas. Ação baseada em princípios (muitos podem dizer que há muito pouco disso nos assuntos mundiais) é uma coisa, mas alcançar os objetivos de política externa é um trabalho de equipe. Trata-se de ganhar a confiança e o apoio dos aliados, criar posições conjuntas e desenvolver ações conjuntas.

Apesar de muito apoio retórico à posição do Reino Unido em Hong Kong, pouco aconteceu além das palavras. Os americanos estão revertendo algumas das vantagens comerciais oferecidas ao território de Hong Kong, mas este é um ano de eleições e Trump vê dificuldades com Pequim como parte da estratégia que ele espera que o mantenha na Casa Branca. .

Mas a "Grã-Bretanha global" permanece incomumente isolada. Ela está semidesligada da Europa; as negociações emaranhadas sobre o futuro de seu relacionamento com a União Europeia continuam.

E sua relação com os americanos é, no mínimo, complicada. Apesar de toda a amizade entre Johnson e Trump, o Reino Unido precisa desesperadamente de um acordo comercial com Washington e sempre ficará desconfortável com eventuais contrapartidas que possam ser necessárias para o apoio dos EUA.

De fato, a pandemia exacerbou esses problemas. Trump nos deu uma compreensão adicional do significado de "America First" (América em primeiro lugar) em sua decisão de comprar a maior parte do suprimento do remdesivir, talvez importante para o tratamento da covid-19 de seu fabricante americano.

A UE está tentando negociar suprimentos para seus países membros. Não está totalmente claro onde o Reino Unido se posiciona em tudo isso, embora a imprensa cite autoridades dizendo que garantiram suprimentos suficientes para suas necessidades.

Isso destaca a posição atual do Reino Unido — dentro, mas não parte, da Europa, e perto, mas não tão perto, de Washington. É um lembrete poderoso também do crescente peso econômico e tecnológico nos assuntos globais.

O Reino Unido precisa voltar a se envolver

Durante grande parte do século passado, tanques ou bombas nucleares foram considerados a moeda do poder global. Mas essa foi uma leitura superficial das coisas, obscurecendo o fato de que, qualquer que seja a importância contínua do equipamento militar, a verdadeira razão pela qual os Estados Unidos dominaram no mundo pós-Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria foi seu extraordinário músculo econômico e capacidade de pesquisa.

Agora, a China também tem esses atributos. Essa é a nova ordem mundial em que o navio da "Grã-Bretanha global" terá que navegar.

O Reino Unido tem muitos atributos. Relativamente, continua sendo uma nação rica. Ainda mantém um assento no Conselho de Segurança da ONU. Mas terá que encontrar uma maneira de se envolver novamente no mundo pós-covid e pós-Brexit.

Em todo o mundo, há sinais de uma crescente frustração com as políticas de Pequim, que talvez realmente devam agora ser apelidadas de "China First" (China em primeiro lugar).

O legado colonial deu ao Reino Unido um papel primordial no desenrolar do drama de Hong Kong. Agora, precisa fazer sua parte para ajudar a forjar um novo consenso internacional sobre como lidar com Pequim: um que resista à pressão chinesa, mas, ao mesmo tempo, busque se engajar positivamente com os governantes da China nas grandes questões globais importantes.


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