“Sandman”, série de TV que adapta a HQ homônima criada por Neil Gaiman & companhia, estreia nesta sexta-feira, 5.

Se você gosta de quadrinhos, já deve ter ouvido falar na obra de Gaiman – se é que já não a leu. Se ainda não teve esse prazer, deve ter sido bombardeado recentemente por descrições como “uma obra-prima”, “a melhor HQ desde (preencha aqui)”, “o quadrinho que revolucionou (preencha aqui também)”... Eu não vou entrar nestes méritos, apenas direi que é minha série favorita até hoje.

A coluna de hoje apresentará o que devemos (e não devemos) encontrar na série audiovisual, baseado no que li nas HQs e vi no trailer. Mas, antes, se quiser se aprofundar no quadrinho, eu publiquei na semana passada um Dossiê Sandman em cinco capítulos:

- O personagem original era praticamente outro Batman

- Foi Jack Kirby quem o colocou no Mundo dos Sonhos, e não Neil Gaiman

- Como Neil Gaiman mudou tudo do personagem e ainda chacoalhou as HQs americanas

- A Morte é uma personagem tão carismática que até já apareceu em HQ da rival Marvel

- Uma curiosa (e aterrorizante) fan film para servir de “preview” para a série

Pois bem, agora vamos ao seriado em si...

NÃO DEVEMOS VER – Super-heróis

“Sandman” foi um título mensal lançado entre 1989 e 1996 na DC Comics, editora notória por seus super-heróis (Superman, Mulher-Maravilha, a Liga da Justiça inteira). Também foi o nome de três super-heróis anteriores ao personagem de Neil Gaiman, portanto podia-se esperar superpoderes, identidade secreta e vilões malucos querendo conquistar o mundo em vez de patentear suas inteligentíssimas invenções e enriquecerem sem correr o risco de tomarem surras ao serem presos.

Pois é. Não teve nada disso. Para começar, o protagonista não se chama Sandman, mas Sonho (vivido pelo britânico Tom Sturridge). A revista teve arcos de histórias (entre sete e oito capítulos mensais, aproximadamente) que mostraram muita fantasia e terror. Apenas o primeiro arco (justamente este que está sendo adaptado, a julgar pelo trailer) é de transição. Não chega a ser uma história de super-heróis, mas conta com a participação especial e curta de alguns deles, como a própria Liga da Justiça - não sei se eles aparecerão na tela, mas mesmo que apareçam, será por segundos: esta não é, nem de longe, uma história de super-heróis.

NÃO DEVEMOS VER – John Constantine

Um dos primeiros coadjuvantes a aparecer em “Sandman” é John Constantine, o carismático (e talvez problemático) mago inglês criado por Alan Moore. Os primeiros anos de HQs de Constantine nos brindaram com histórias incríveis – os mais recentes, nem tanto...

O trailer dá a entender que não teremos John Constantine, mas, aparentemente, uma personagem inspirada nele: Johanna Constantine, interpretada por Jenna Coleman. Nas HQs, há uma Johanna Constantine, criada justamente por Gaiman, mas talvez não seja a mesma – ela vive no século 18, enquanto a da série é contemporânea.

NÃO DEVEMOS VER – Crossover com “Lúcifer”

A série “Lúcifer”, que teve cinco divertidas temporadas e está no catálogo da Netflix, foi inspirada em um personagem criado por Neil Gaiman justamente em “Sandman”. Entretanto, não devemos ter nenhuma participação especial, e muito menos um crossover, entre ambos seriados.

O motivo é simples: “Lúcifer”, divertidamente vivido por Tom Ellis, é um anjo caído imprevisível e autêntico, extremamente distante do quadrinho. O mesmo personagem estará na adaptação “Sandman”, mas aparentemente muito mais próximo do original – basta ver, no trailer, como está caracterizada a atriz Gwendoline Christie, que o interpretará.

NÃO DEVEMOS VER – Roteiro explicadinho

“Sandman”, a série mensal, foi concluída em 1996. Houve algumas edições especiais depois disso (minisséries e graphic novels), mas até hoje há pontas intencionalmente abertas. Não espere tudo mastigado para nós, espectadores. Parte da graça está aí.

DEVEMOS VER – Coadjuvantes cativantes

Neil Gaiman e seus colegas criaram uma série que gira em torno do personagem Sonho, mas com a presença de coadjuvantes carismáticos, complexos e profundos. Eles possuem tantas camadas e são tão bem aproveitados que em várias ocasiões “roubam” do Sonho os holofotes como protagonistas. Aliás, em algumas histórias, Sonho sequer aparece.

DEVEMOS VER – “A” Morte

Carismática, charmosa, encantadora: Morte, a irmã mais velha de Sonho, é uma grande personagem da série original, além de surpreendente. Kirby Howell-Baptiste (que já aparece no trailer devidamente caracterizada) terá a dura tarefa de interpretar a metafórica (e profunda) entidade que representa a morte, mas que faz refletir sobre a vida.

DEVEMOS VER – Terror

Os arcos de “Sandman” oscilam entre o terror e a fantasia. Este primeiro, em particular, tem os dois pés no horror – com muito bom gosto. A história da sexta edição, “24 Horas”, é de uma linda e claustrofóbica história de terror crescente – e estará na série. Para ver com as luzes da casa devidamente apagadas e sem tirar os olhos da tela.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.