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Hoje vamos deixar de lado autores, personagens e séries ligados ao mundo dos quadrinhos contemporâneos e abordar um conceito bem interessante: “os romances totalmente gráficos”.

Will Eisner costuma dispensar apresentações, mas vamos lá: trata-se de um dos maiores artistas, teóricos e professores dos quadrinhos de todos os tempos. Ele nos brindou com um personagem antológico (Spirit), álbuns incríveis (“O Edifício”, “Um Sinal do Espaço”, preencha aqui com o seu favorito) e duas excelentes obras teóricas sobre HQs: “Quadrinhos e Arte Sequencial” e “Narrativas Gráficas”. É deste segundo livro que vou tirar o conceito que trataremos aqui.

Um dos capítulos finais de “Narrativas Gráficas” traz o título “A História Totalmente Gráfica”. Copio aqui a definição de Eisner: “A graphic novel, como a conhecemos hoje, é uma combinação de texto, seja ele narrativo (balões), integrado com arte disposta de forma sequencial. Mas esforços anteriores na literatura de narrativa gráfica abordaram esta forma com uma eliminação quase total de palavras”.

Até a primeira vez em que li “Narrativas Gráficas” (foram algumas leituras, adoro este livro), não havia pensado nisso que Eisner apontou. Basicamente, podemos entender que a literatura convencional (prosa) teve autores experimentais, ligados às artes gráficas, que acabaram criando obras tão distantes da própria prosa convencional que acabam se tornando histórias em quadrinhos (ou, como Eisner chama, arte sequencial).

Eisner cita alguns autores como precursores destes romances totalmente gráficos: o belga Frans Masereel (1889-1972), o alemão Otto Nückel (1888-1955) e o americano Lynd Ward (1905-85).

Frans Masereel foi especialista em xilogravuras (imagens talhadas na madeira) e gravuras em metal. Contemporâneo da Primeira Guerra Mundial, criou centenas de xilogravuras retratando o horror que ela representou.

Otto Nückel foi um ilustrador e pintor que se especializou em gravuras em chumbo. Em 1926, publicou “Schicksal” (“Destino”, em tradução livre), livro narrado por meio de 190 gravuras em chumbo e um dos exemplos do que Eisner chama de “romance totalmente gráfico”.

Formado em Artes e também especialista em xilogravuras, Lynd Ward estudou na Alemanha e teve contato com as obras de Masereel e Nückel. Ele foi o que mais publicou “romances totalmente gráficos” dentre os três: foram seis obras entre 1929 e 37.

Fã de quadrinhos, de uma maneira geral, e de Eisner, em particular, claro que fui atrás das obras. E as recomendo aqui. São trabalhos lindos e densos – “Die Sonne” (“O Sol”, em tradução livre), de Masereel, é uma adaptação do trágico mito grego de Ícaro, e “Schicksal”, de Nückel, é uma crítica social menos alegórica e mais direta ao retratar a vida de uma trabalhadora pobre. Visualmente falando, obras impressionantes.

O meu favorito é “Vertigo”, de Ward, livro narrado por meio de xilogravuras – é uma delas que está no topo deste artigo. Cada página é ilustrada por apenas uma xilogravura, preto no branco, de tamanhos diferentes – não há um padrão. O jogo sombrio de preto e branco combina perfeitamente com a história: o livro, lançado em 1937, mostra as consequências da enorme crise econômica que os Estados Unidos começaram a enfrentar em 1929. É um clima sombrio, triste, doloroso, sem esperanças.

Ainda em “Narrativas Gráficas”, Eisner faz uma ponderação interessante sobre “Vertigo”: “A história exige que o leitor contribua com diálogos e interfira no fluxo de ação entre as páginas. Apesar dessa permuta ter sido bem-sucedida ao demonstrar a viabilidade da narrativa gráfica, ela não podia ir muito longe para um público alheio aos quadrinhos. Muito leitores acharam esse livro difícil de ler. (...) A quantidade de ação que acontece entre essas cenas exige uma considerável capacidade de absorção por parte do leitor para que ele seja capaz de compreendê-la”. Atualmente, acredito eu, causaria menos estranhamento, com a popularização dos quadrinhos – seja por tiras nos jornais, revistas ou livros.

Hoje, é bem mais comum encontrarmos quadrinhos sem palavras – a Turma da Mônica tem uma coleção específica, chamada “Aventuras sem Palavras”. Há quadrinistas especialistas em prescindirem das palavras, como o americano Peter Kuper, famoso pela série “Spy vs. Spy” na revista “Mad” e, depois, autor do ótimo álbum “O Sistema”, lançado pela Vertigo, selo de quadrinhos adultos da DC Comics.

Os exemplos citados no parágrafo acima, entretanto, não são do que Eisner falava. São obras que vieram de uma linguagem já estabelecida – os quadrinhos contemporâneos -, enquanto o que Eisner apontou são obras que vieram de outro caminho, uma jornada experimental, criativa e ousada que alguns artistas distantes dos quadrinhos tomaram no início do século 20. Para nós, fãs da arte sequencial, acho que vale a leitura de cada uma destas obras – e dos livros teóricos do Eisner, é claro.