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Sei que esta é uma coluna sobre quadrinhos e que o título dá a entender que vamos falar de cinema e seriados. Sim, vamos falar de cinema e seriados – mas de uma maneira que não dá para dissociar das nossas histórias em quadrinhos.

Quando o carismático Robert Downey Jr. vestiu a armadura de Homem de Ferro pela primeira vez, 15 anos atrás, seria apenas só mais um filme de super-herói. Mas não foi: estava ali o primeiro passo para algo que hoje é conhecido como Universo Cinematográfico Marvel, um fenômeno pop relativamente coeso que une filmes no cinema e no streaming com seriados – e dimensões paralelas, muitas dimensões paralelas, como vimos no mais recente filme do Doutor Estranho.

Este filme, aliás, é um bom exemplo de onde quero chegar. Se você gosta do ator britânico Benedict Cumberbatch (e quem não gosta? Ele é excelente!) e descobre que está em cartaz “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”, por que não assistir? Provavelmente você entenderá o filme como um todo, mesmo sem ter assistido ao anterior, mas também perceberá que o longa faz referência a (muitas) pontas soltas de obras anteriores (filmes e seriados) e deixa (muitas) pontas soltas para obras vindouras. Será que isso vai incomodar?

“Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” é um filme de ação divertido e bem dirigido, visualmente lindo. Mas será que é “só” um filme ou virou um capítulo no meio de uma saga maior, o Universo Cinematográfico Marvel? Ou seja, será que virou uma obra “só para entendidos”, algo que quem chegou agora não vai conseguir curtir? Isso me lembra a origem do Universo Marvel nos quadrinhos – a precursora deste universo cinematográfico.

A Marvel, como a conhecemos hoje, é basicamente uma editora de HQs de super-heróis. Mas dos anos 30 a 50, tinha um cardápio bem variado – terror, guerra, fantasia, ficção científica e, claro, heróis - Capitão América era o mais famoso. E, até então, suas histórias eram “fechadas” em cada edição – ou seja, se você pegasse uma HQ dele, não importasse qual, não sentiria falta não de ter lido as aventuras anteriores.

Nos anos 1960, uma equipe de talentosos artistas começou a moldar a editora Marvel como a conhecemos: Stan Lee, Jack Kirby, Steve Ditko, John Romita etc premiaram os leitores com Doutor Estranho, Thor, Vingadores, Hulk, Homem de Ferro etc. Foi um baita sucesso.

Nessa década, as histórias ainda eram “fechadas” em cada edição – Stan Lee, o editor-chefe e principal roteirista da editora, gostava de repetir que toda HQ podia ser o primeiro contato de alguém com a Marvel, e por isso inibia “continuações” – elas até começaram a existir, mas sempre com retrospectivas no início de suas páginas.

Ao mesmo tempo, Lee passou a se preocupar (algo que a rival DC não fazia) com criar um universo coeso. Assim, se o Capitão América viajasse ao espaço em sua revista mensal, ele não poderia aparecer na edição daquele mês dos Vingadores. Isso, claro, exigia planejamento, mas era viável. Mais do que isso: era muito bacana - tanto que a DC Comics passou a seguir o mesmo modelo.

Mas (sempre tem um mas) o gênero dos super-heróis cresceu –primeiro, aritmeticamente, depois, exponencialmente. Nos anos 90, já era difícil para um leitor pegar qualquer edição da Marvel ou da DC e a ler numa boa. As histórias tinham vários capítulos. Alguém que gostasse de uma capa dos Vingadores (como a linda imagem em preto e branco estampada na edição 347), por exemplo, poderia comprar uma edição aleatória e se deparar com, por exemplo, “Operação Tempestade Galática – capítulo 19” – apesar da retrospectiva no início, ele certamente sentiria um gostinho de “acho que perdi algumas coisas”, como quem são os personagens Relâmpago Vivo, Starfox e Sersi.

Além disso, havia sagas de dezenas de capítulos que começavam na revista mensal de um personagem e continuavam em outra completamente diferente. O leitor que gostasse da Liga da Justiça, por exemplo, e se deparasse com a saga “Armageddon 2001”, teria que comprar outras revistas para descobrir a misteriosa identidade do vilão Monarca –e muitas e muitas edições mais se quisesse ler a saga completa.

O gênero dos super-heróis não parou de crescer. Especialmente hoje, com, cinema e streaming servindo de porta de entrada para novos leitores. Isso, claro, pode gerar uma certa confusão. Dependendo da época que a pessoa assistir ao longa da Liga da Justiça, vai pegar uma HQ do supergrupo em que a Mulher-Maravilha não está lá, e em seu lugar aparece uma pessoa muito parecida com ela chamada Hipólita (é a mãe dela). Além disso, quem serão estes Naomi, Adão Negro, Canário Negro e Moça-Gavião que nem aparecem no filme?

As duas grandes editoras, Marvel e DC, têm lidado com isto principalmente de duas maneiras. Uma é a tradicional: sua cronologia normal, com heróis mais ou menos crescendo, envelhecendo e evoluindo, tentando passar seu codinome e uniforme para sucessores. Não tem dado muito certo, e as editoras acabam recuando na maioria dos casos, mas as revistas mensais têm se sustentado. No limite, fazem um “reboot” – zeram suas cronologias e começam de novo (a DC fez isso duas vezes na década passada).

Outro caminho são as edições especiais, fora da cronologia. Podem ser voltadas para o mesmo público leitor, como as histórias em dimensões alternativas – “What If...?”, na Marvel, ou “Elseworlds”, na DC. Mas também há selos dentro das próprias editoras voltados a leitores mais jovens ou mais “maduros” (sim, eles usam este termo). Normalmente, são histórias (edições especiais ou minisséries) fechadas e servem bem como contato com personagens famosos, mas com cronologias difíceis de serem acompanhadas para quem está chegando, como Batman, Wolverine, Arlequina ou Homem-Aranha.

No cinema, por enquanto, a Marvel parece não estar preocupada com quem não está por dentro de sua franquia. Os filmes e seriados estão parecido cada vez mais capítulos de uma longa história sem fim – e se você chegou agora, paciência. Será que este modelo se sustenta por muito tempo? O Universo Cinematográfico Marvel tem ido muito bem até agora. Estou curioso para ver para onde vai seguir.