Esta é uma história curiosa envolvendo alguns dos maiores nomes dos diferentes lados dos quadrinhos de super-heróis: uma editora (a Marvel), um artista talentoso e premiado (John Byrne) e personagens bem famosos (os X-Men). E temos também o conceito de fanfic, que não é assim tão familiar a todos os leitores.
Vamos começar pelo significado de fanfic: é a arte feita por fãs com personagens dos quais eles não têm direitos autorais. Pode ser um texto, um desenho, um filme... ou uma história em quadrinhos, claro.
E o que dizer de John Byrne? Escritor, desenhista, arte-finalista, capista... foi um dos maiores nomes por trás das HQs de super-heróis nos anos 80 e 90. Neste período, foi fundamental para transformar os X-Men em sucesso (ao lado do roteirista Chris Claremont), criou a Tropa Alfa, redefiniu o Superman e abriu um novo caminho com suas inovadoras histórias da Mulher-Hulk.
Quando Byrne começou a trabalhar com os X-Men, ele ilustrava os roteiros de Claremont. Aos poucos, tornou-se corroteirista da revista. Naquela época, o conceito dos mutantes não havia sido banalizado. Hoje, cada vez que alguém espirra, surge um novo mutante nas páginas da Marvel, quase sempre com um poder original – como quase todos já foram utilizados, surgiram alguns bem estranhos. Este período brindou os leitores com duas das maiores sagas dos X-Men até hoje: “Fênix Negra” (que inspirou dois longas para o cinema) e “Dias de um Futuro Esquecido”. Era bem mais fácil acompanhar as histórias: havia, literalmente, centenas de mutantes a menos e o conceito de viagens no tempo ainda não havia sido desgastado.
Muita coisa rolou depois de Byrne deixar os X-Men. Ciclope, o líder do grupo, conheceu um filho mais velho do que ele (coisas de viagem no tempo), e a Tempestade, colíder do grupo, conheceu um neto da idade dela, que depois não era mais neto dela (coisas de viagem no tempo e de editores indecisos). Wolverine, o herói baixinho e durão, acabou virando um homem alto e bonitão, virtualmente invencível – há uma história, horrível, em que arrancam o coração dele, mas continua vivo mesmo assim. Deus nos proteja dos maus roteirista.
Enfim, John Byrne gosta muito dos X-Men. E ele ofereceu para a Marvel ideias para uma nova revista mensal. Ele faria roteiros, desenhos e arte-final de um período específico do supergrupo mutante, no passado, antes da zona toda que virou a cronologia mutante. Ele “preencheria o branco” entre dois pontos da história, um hiato nunca mostrado. Artista e editora negociaram, mas a Marvel não comprou o projeto.
John Byrne não ligou. Ele queria contar aquelas histórias.
Conclusão: desde 2019, um artista profissional passou a criar e publicar sua própria fanfic. Com qualidade, claro, muito acima da média das fanfics normais – e de muito material profissional lançado nas grandes editoras. Byrne lança, quase que diariamente, uma página escrita e ilustrada por ele, mas sem arte-final, em seu fórum de discussão Byrne Robotics.com. Como ele não lucra com isso, o projeto, batizado de “X-Men – Elsewhen”, pode ser publicado na internet sem ser processado pela Marvel, a detentora dos direitos dos personagens. Alguns fãs nos EUA reuniram estas páginas e lançaram revistas amadoras coletando as histórias (já foram 31 edições!), enquanto outros, aqui no Brasil, traduzem para o português e as disponibilizam para quem pede.
Por quanto tempo John Byrne continuará trabalhando de graça com os X-Men? E até quando a Marvel vai deixar isso acontecer sem tomar alguma atitude? Sendo, claro, que a atitude em questão pode ser tanto entrar na Justiça contra “Elsewhen” quanto resolver a publicar com acabamento profissional. Torço por esta última opção.
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