Fundação Padre Anchieta

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O nome completo da HQ “Na Sala dos Espelhos”, da sueca Liv Strömquist, é tão grande e complexo que pode até intimidar: “Na Sala dos Espelhos: Autoimagem em transe ou beleza e autenticidade como mercadoria na era dos likes & outras encenações do eu”. Será que se trata de um quadrinho muito acadêmico, cabeçudo, talvez até pernóstico? Como diz o ditado popular, não se julga um livro pela capa. Aliás, este livro inteiro é sobre aparências e julgamentos, especialmente os internos.

A obra de Liv Strömquist não tem um protagonista específico. Ao mesmo tempo, fala de cada um de nós. Ela começa citando as quatro Kardashians e seu gigantesco sucesso nas redes sociais – que acaba resultando em influência na vida de seus seguidores. As famosas irmãs conseguiram usar sua imagem e seu trabalho de uma maneira que influenciam rumos de moda e comportamento, o que se reflete em resultados extremamente lucrativos para elas. E a pergunta implícita que Strömquist faz é: por quê? Aliás, não um só “por quê”, mas vários.

Por que pessoas fisicamente bonitas, como as Kardashians, tendem a fazer mais sucesso em muitos campos profissionais? Por que queremos ser belos? Por que queremos ser aceitos? Ser lindo torna a integração mais fácil? Até que ponto estamos dispostos a nos sacrificar para estarmos dentro dos padrões estéticos?

Em muitos pontos, “Na Sala dos Espelhos” conversa com “Nos Olhos de Quem Vê”, de Helô D'Angelo. O que muda é a abordagem: a brasileira faz um reflexão profundamente pessoal, sincera, autobiográfica. Strömquist parte do ponto de vista teórico: cita filósofos, antropólogos, pesquisadores que estudam os meios de comunicação e as modernas redes sociais. Ela mistura textos acadêmicos a casos reais, como os da Kardashians, para trazer um olhar ao mesmo tempo para fora e para dentro. Vou explicar.

Olhar para fora: será que devemos aceitar como normal uma sociedade que exige tanta beleza de nós? Há o fato de que não ser muito gordo ou muito magro é algo além de estético e envolve a questão da saúde. Isto posto, somos indivíduos dentro de uma sociedade e não podemos fingir que existe uma cobrança de beleza na vida íntima, enquanto na profissional há um favorecimento, normalmente implícito, que acaba significando a exclusão de pessoas que fogem do padrão.

Esta discussão não começa nem acaba no livro de Strömquist. Está sendo cada vez mais abordada em livros, séries, filmes, blogs e reportagens. E isso é ótimo.

Olhar para dentro: até que ponto nos sujeitamos a alterar quem e o que somos por aceitação? A reflexão começa pela estética, mas vai além. Qual o custo que devemos pagar para sermos aceitos – abrir mão do que importa para nós, em troca de fazer parte de determinados círculos da sociedade?

Uma vez mais, esta discussão não começa nem acaba na HQ de Strömquist. Podemos enumerar aqui obras que abordam este tema no cinema, na TV, nos jornais... E isso é ótimo, claro. Mas não o suficiente.

Há muitos pontos de vista para a questão da beleza. Strömquist ouviu relatos de mulheres sobre autoestima, aceitação e estética com conclusões diferentes entre si, e abriu espaço para cada uma destas opiniões. Esta sequência de capítulos é um interessante espelho multifacetado da sociedade: não há uma conclusão única sobre o poder de beleza, a comercialização da estética (revistas de boa forma, influencers etc.), o limiar entre beleza e saúde, a autoestima, a influência do corpo nos relacionamentos sexuais e/ou amorosos.

O final de “Na Sala dos Espelhos” é o resumo instigante de uma mulher considerada uma das mais lindas que já existiu: Elizabeth da Baviera, Imperatriz da Áustria. A julgar por este capítulo – não li outros livros ou vi filmes sobre elas – é uma personalidade que não pode ser dissociada de sua beleza. Mas até que ponto esta fama enorme, ainda que laudatória, teve um impacto negativo em sua vida? Que custos ela teve de arcar para permanecer tão linda? E como lidou com o envelhecimento?

Comecei este artigo com um ditado popular, e vou terminar com outro: “toda rosa tem espinhos”. E a “rosa” da beleza (da fama, da vaidade...) tem espinhos que costumamos fingir que não vimos. Mas será melhor para nós, em nossas vidas privadas e em nossa convivência em sociedade, que comecemos a reparar também nos espinhos, e não só nas pétalas, quando estivermos na sala dos espelhos.