Fundação Padre Anchieta

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Descobri lendo o “Le Monde” que a revista japonesa “Shonen Champion” publicará uma HQ escrita e ilustrada por inteligência artificial (IA). Será um material original, e o grande desafio é que ela emulará (ou tentará emular), na narrativa e na arte, o estilo de Osamu Tezuka (1928-1989), conhecido como “o deus mangá”.

A HQ em questão não será de um personagem qualquer, mas uma das mais famosas criações de Tezuka – o médico Black Jack. Aliás, o mangá dele permanece inédito no Brasil – o animê estrelado pelo personagem foi exibido por aqui uma duas décadas atrás.

O desafio é imenso. Não só pela excelência do trabalho de Tezuka, mas também pelas distintas fases de sua carreira. Se a IA usar como base a maior parte do trabalho de Tezuka, acabará escrevendo um roteiro voltado para o público infantil, ingênuo, fofo e com humor pastelão. Afinal, esta é a marca de seu trabalho na maior parte de sua carreira – caso de “Kimba” e “Atro Boy”, por exemplo. “Black Jack”, entretanto, foi desenvolvido na parte final da trajetória artística do deus-mangá, com histórias mais introspectivas, pesadas e voltadas para o público adulto, como os recentemente lançados no Brasil “MW” e “Ayako”.

A iniciativa foi devidamente autorizada por Macoto Tezka, filho de Osamu – embora a versão em alfabeto latino do sobrenome do seu pai seja “Tezuka”, ele prefere que a dele seja “Tezka”, o que respeitarei neste texto. Mesmo assim, este projeto traz, para mim, mais perguntas do que respostas, e vou tentar trazê-las neste artigo.

Será que veremos surgir um segmento de editoras lançando livros com personagens clássicos, mas desenvolvidos por IA de maneira e espelhar o estilo original? Por exemplo, o mercado franco-belga teria uma nova aventura de Tintim, com a tecnologia replicando o estilo de Hergé.

O exemplo do Tintim é bom por outro motivo. Quando morreu, em 1983, deixou um álbum pela metade: “Tintim e a Alfa-Arte”, do qual só temos os esboços de algumas páginas, além de anotações do artista. Será que, além de criar aventuras originais do personagem, a IA conseguiria criar uma conclusão satisfatória para a trama?

Haveria, também, em caso de acordos da editora com as famílias, novas tiras da Mafalda com o traço do Quino; aventuras do Superman na linha de seus criadores, Jerry Siegel e Joe Shuster; e o drama social, engraçado e lírico da Aninha, a Pequena Órfã, em um traço “2.0” de “Harold Gray”.

Não sei se as editoras e as famílias dos autores vão topar. Estou pensando um passo antes. Será que nós, leitores, teríamos interesse? Pagaríamos para ver uma eventual continuação das deslumbrantes aventuras da Valentina com um traço que nos lembre o de Guido Crepax?

Eu falo por mim. Se algum quadrinista, hoje, fosse audacioso o suficiente para tentar criar novas histórias de um dos meus personagens favoritos, o Little Nemo, talvez eu tivesse interesse, dependendo do artista. Já pensou, Bill Watterson, de “Calvin e Haroldo”, criando pranchas lindas protagonizadas por Little Nemo? Eu compraria, sem dúvida. Agora, se fosse uma IA tentando reproduzir a técnica de Winsor McCay... Hoje, não me despertaria interesse.

Repare que eu usei a palavra “hoje”. Este tipo de iniciativa está só no começo. Talvez vejamos, daqui a 5 anos, novos e ainda tímidos projetos semelhantes. Daqui a uma década, possivelmente serão HQs mais numerosas – e de mais qualidade. Talvez em 2050 eu esteja comprando “Príncipe Valente, por IA emulando Hal Foster”, “Upside Down, por IA emulando Gustave Verbeek” e por aí vai. Eu particularmente duvido, mas a questão é que estamos tão no começo da história que é tudo imprevisível.

Seria até divertido pedir a um escritor de ficção científica que imaginasse como estará esta questão em 2050 por meio de um conto, e fazer o mesmo pedido a uma IA... Deixaríamos os dois contos guardados e só abriríamos daqui a 27 anos, para comparar com a realidade. Aposto que nenhum dos dois chegaria perto: esta história mal começou.