A graphic novel “Monstros”, de Barry Windsor-Smith, saiu aqui no final do ano passado. Mesmo tanto tempo depois, ainda acho que vale a pena falar da HQ, tal a sua qualidade. E, prometo, vou tentar evitar trocadilhos como “o talento de Windsor-Smith é monstruoso”...
Primeiro, vamos começar apresentando o artista. O britânico Windsor-Smith fez carreira nos EUA, onde mora desde 1971. Aliás, é uma carreira marcada pelo reconhecimento da crítica: talentoso, ele já ganhava prêmios por suas ilustrações em 1971, quando eu ainda nem era nascido. Neste caso, por uma história do Conan ilustrada por ele – Windsor-Smith dedicou sete anos consecutivos de sua carreira ao nobre guerreiro bárbaro.
Sua carreira tem uma grande participação na editora Marvel, onde publicou Conan entre 1970 e 1976. Depois, participou de histórias com personagens menores, como o Homem-Máquina e Ka-Zar, mas cresceu a ponto de trabalhar com os “figurões” da editora. Mais do que isso, aliás. Coube a Windsor-Smith não só ilustrar, mas também escrever a história que iluminaria um dos maiores mistérios da editora: a origem de Wolverine, o mais famoso dos X-Men. Esta história, “Arma X”, virou um marco na historiografia dos mutantes.
Lá pelo meio dos anos 80, Windsor-Smith propôs uma complexa história do Hulk para a Marvel. O projeto não vingou por lá, mas a ideia ficou em sua cabeça. Décadas depois, muito mais maduro, Windsor-Smith lançou em 2021 nos EUA (e no ano seguinte no Brasil) a graphic novel “Monstros”. Ele estava havia 16 anos sem lançar nada.
“Monstros” é simplesmente um petardo. O livro começa pela história do jovem Bobby Bailey – as iniciais repetidas não são coincidência, se lembrarmos que a semente da história está relacionada a Bruce Banner, o Hulk.
E se a história de origem de Bruce Banner envolve projetos secretos militares, tecnologia experimental e um corpo modificado de humano para monstruoso, a história de Bobby Bailey envolve projetos secretos militares, tecnologia experimental e um corpo modificado de humano para monstruoso.
A arte deslumbrante de Barry Windsor-Smith pode nos distrair de algo muito importante: ele é um excelente roteirista. A partir dos elementos citados no parágrafo acima, adentramos no universo de duas famílias do interior dos EUA em meados do século passado e nos deparamos com temas como relacionamento abusivo, pais violentos e teorias conspiratórias. Soma-se a isso o nazismo – boa parte da história se passa nos anos 40.
Nada entra de graça em “Monstros”. As citações que parecem superficiais em algumas cenas acabam sendo aprofundadas páginas depois. Não há leveza: são temas pesados, e o leitor é soterrado por eles. É uma história que tira o fôlego, angustia, perturba. É como se nós, leitores, estivéssemos vivendo aquelas situações, convivendo com aquele monstro - e não me refiro aqui ao aspecto físico de nenhum personagem.
A linha narrativa principal de “Monstros” se passa nos anos 60 – e não porque o Hulk surgiu em 1962. Talvez por isso também, mas porque há uma importante ligação com o nazismo e a Segunda Guerra Mundial. E enquanto vemos os tensos eventos de 1965, somos levados a cenas de momentos passados (1948, 1949, anos 50) que nos mostram o quanto cada um daqueles personagens é profundamente complexo. Estes flashbacks poderiam confundir, mas Windsor-Smith sabe usar o recurso sem o gastar.
O enredo misterioso e envolvente, os personagens complexos e dramáticos, e, claro, a arte pela qual Windsor-Smith é famoso tornam “Monstros” uma leitura densa e impactante. São tantas nuances, tantas complexidades, que você acaba interrompendo a leitura para se perguntar “nossa, será que é isso mesmo que eu li?”. Sim, é. E com essa arte incrível.
ps – se Windsor-Smith já ganhava prêmios no início da carreira por Conan nos anos 70 (foram sete em sete anos), imagine o resultado alcançado pelo autoral e profundo “Monstros”. A obra venceu o Eisner Awards em três categoria: melhor roteirista/ilustrador, melhor letrista e, claro, melhor graphic novel inédita. Merecidamente.
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