Fundação Padre Anchieta

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A capa, roxa, traz uma mulher concentrada em cinco posições de exercícios físicos. Esta imagem se sobrepõe, inclusive, ao título, escrito em letras vermelhas garrafais: “O Segredo da Força Sobre-Humana. O livro, com esse conjunto, parece ser sobre exercícios físicos, mas não é o caso. Afinal, foi escrito e ilustrado por Alison Bechdel e, com ela, tudo tem uma profundidade a mais.

Se você não a conhece, sem problema: vamos a uma breve introdução. A norte-americana Alison Bechdel firmou-se nas HQs por dois tipos de trabalhos não-excludentes. O primeiro, uma tira semanal ficcional que retratava o cotidiano de um grupo de amigas lésbicas nos EUA dos anos 80 – e 90, e 2000... Foram 25 anos de série, que caminhava entre o humor, o drama, o romance e as críticas sociais e políticas. Aqui no Brasil, o livro “O Essencial de Perigosas Sapatas” faz um bom recorte desse trabalho.

Mas há outra área pela qual Bechdel é conhecida: as graphic novels autobiográficas. Embora sejam de uma parte mais madura de sua carreira, foram suas primeiras obras a chegar aqui no Brasil: “Fun Home”, sobre a difícil relação com seu pai, e “Você é minha Mãe?”. Como o título indica, este último aborda a relação entre Alison e sua mãe, mas como avisei dois parágrafos acima, tudo com Bechdel tem uma profundidade a mais. No caso, ela aproveita para se aprofundar sobre a obra psicanalista Donald Winnicott, autor dos livros “Natureza Humana”, “A Família e o Desenvolvimento Individual” e “Tudo Começa em Casa”.

No primeiro semestre, saiu aqui no Brasil a mais recente graphic novel autobiográfica de Alison Bechdel: o já citado O Segredo da Força Sobre-Humana (ed. Todavia, tradução de Carol Bensimon). Há, claro, a busca por condicionamento físico e a experiência em várias modalidades atléticas, mas, como você deve ter percebido pela introdução, vamos bem além disso. É sobre esta autora e suas ótimas (e complexas) obras que conversaremos na coluna de hoje.

Alison Bechdel não tem medo de se expor. Ela se apresenta como uma pessoa ansiosa, obsessiva, metódica, controladora. E com uma grande necessidade de se desafiar. Enquanto muita gente procura os exercícios hoje por uma questão de saúde física ou estética, ela, desde muito nova, buscava algo a mais. Algo que talvez naquela época, anos 70, tivesse dificuldade em definir – mas que hoje consegue enxergar com clareza. Bem no início do livro, quando está se apresentando ao leitor, Bechdel diz:

- Por que passei tantas horas de minha vida – muito possivelmente tantas quantas são recomendadas – fazendo exercício?! Não teria usado melhor esse tempo lendo? Aprendendo mandarim? Fazendo trabalho social? Não. Sem esses trabalhos corporais, eu seria uma mera carcaça. Meus motivos para fazer exercícios vão do físico ao mental, passando pelo emocional, pelo psicológico e pelo numinoso.

Mas esta conclusão, claro, é a de uma mulher inteligente de mais de 60 anos, que passou por várias experiências de sua vida. O que acompanhamos no livro é o caminho que a levou a tal conclusão: as atividades atléticas que experimentou, e nem sempre gostou. Algumas resultaram em frustrações. Como quase tudo na vida, esta jornada passa por erros e acertos – e nem tudo que fez bem (ou mal!) a ela pode agradar (ou desagradar!) a você ou a mim.

Vemos relatos sobre corridas, esqui alpino, caratê, ioga, ciclismo... Cada experiência tem a ansiedade de antes, a aprendizagem com os erros (que viram literalmente tombos, em alguns casos), e a experiência de prazer com a meta alcançada.

A busca de Bechdel pelo equilíbrio passa pelo físico, mas não se restringe a ele. As cenas de treinos (por vezes intensos!) são temperadas com reflexões sobre budismo (com destaque para o “Sutra do Diamante”) e literatura, com citações de versos e reflexões de autores como Jack Kerouac (especialmente seu livro “Os Vagabundos Iluminados”) e Samuel Taylor Coleridge.

Exercícios físicos, ansiedade, espiritualismo, terapia. A longa jornada de Alisson Bechdel por equilíbrio e bem-estar é um caminho só dela e que não se propõe, em momento algum, a servir de exemplo para nós. Mas traz, durante a leitura, reflexões. Sobre os inúmeros possíveis caminhos para nós tentarmos o nosso equilíbrio e bem-estar, sobre a imensa dificuldade em cada um deles, sobre obsessão, inércia, cobranças, perfeccionismo, saúde (física, emocional, intelectual, espiritual). Todas as jornadas individuais são únicas, e é bom, de vez em quando, refletirmos sobre as nossas.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.