Coluna Hábito de Quadrinhos

O conceito do multiverso já virou banal? É uma ferramenta para escritor sem imaginação?


27/11/2023 15h00

Confira comigo:

- A mais recente animação da Marvel, a segunda temporada de “Loki”, aborda um multiverso de dimensões paralelas. O vilão principal, Aquele que Permanece, tem centenas, talvez milhares de variações, todas nascidas em dimensões diferentes do multiverso.

- Um dos mais recentes filmes da DC, “The Flash”, mostra o velocista viajando pelo multiverso e encontrando múltiplas versões de heróis (reparou no Nicolas Cage como Superman?), inclusive de si mesmo.

- A mais recente animação de super-heróis, a excelente “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”, também aborda o multiverso e nos brinda com nada menos do que 280 versões do personagem (não, eu não contei um a um: o diretor que disse isso em uma entrevista).

- Nos quadrinhos, dos últimos grandes “eventos” que a DC publicou de 2020 para cá, nada menos do que oito envolvem o conceito de multiverso.

- No último dia 15 de novembro, a Marvel lançou o trailer de sua próxima série animada: a segunda temporada de “What If...?”. Se você viu a primeira, sabe que todos os seus episódios exploram o conceito de... multiverso.

Percebe onde eu quero chegar?

Pensei nisso recentemente quando um amigo me trouxe esta pergunta: “este negócio de multiverso já não saturou?”. Achei a pergunta interessante. “Não virou muleta para fazer qualquer coisa?” Gostei tanto da segunda pergunta que vou começar por ela antes de chegar na primeira.

O conceito de “multiverso” como é usado atualmente nas histórias de super-heróis, seja nos quadrinhos ou no audiovisual, é relativamente simples: há infinitas dimensões paralelas (universos paralelos) com infinitas versões de um mesmo indivíduo. Eles podem ser parecidos, com diferenças sutis, ou completamente diferentes. Por exemplo, pode haver uma dimensão em que o Brasil colonizou Portugal; outra em que todos os seres humanos falam esperanto, e nosso país se chama, portanto, Federacia Respubliko Brazilo.

Para o gênero dos super-heróis, é um menu riquíssimo de oportunidades. Há, por exemplo, uma versão da Liga da Justiça formada apenas por macacos com poderes; outra em que seus heróis aparecem com gêneros diferentes (Homem-Maravilha, Batwoman e Super-Mulher, por exemplo). Os personagens de um universo podem viajar a outro, gerando dramas e conflitos (como na trilogia da animação do Homem-Aranha no Aranhaverso).

O termo “multiverso” é atribuído ao escritor britânico Michael Moorcock, que o usou no romance “The Sundered Worlds”, de 1965. Mas seu conceito, de dimensões paralelas e várias versões de um mesmo indivíduo, é anterior. Em 1947, o mágico Mandrake conheceu Ekardnam, uma versão maligna de si mesmo e que habita outra dimensão. Em 1953, a Mulher-Maravilha de uma dimensão pediu ajuda a uma versão de si mesma em outra – e o conceito de duas versões de uma mesma heroína era tão complexo de explicar, 70 anos atrás, que foi mais fácil a chamada de capa dizer que se tratava de uma história com a “gêmea invisível da Mulher-Maravilha!”.

Certamente há outros exemplos anteriores, menos famosos, mas o fato é que hoje um enunciado como “gêmeo invisível” é desnecessário. O conceito de dimensões paralelas, viagens no tempo e multiversos ficou popular – talvez até demais.

Eu assisti ou li muitas das obras citadas no origem deste texto. Infelizmente, são irregulares. O conceito incrível de “multiverso” certamente não é mais original. Virou um recurso como outro qualquer. Mas será que virou “muleta” para fazer qualquer coisa? Para ajudar um escritor ruim que criou uma trama tão complexa que não faz a menor ideia de como resolvê-la e vai ter de apelar para uma “versão” do personagem vindo de outro universo? E será que isso já cansou o leitor ou espectador?

Minha resposta a todas estas perguntas é a mesma: depende do artista. O “multiverso” é um recurso, não um fim em si. Assim como histórias do tipo “protagonista aprende uma lição e se torna uma pessoa melhora”, “casal se conhece e enfrenta adversidades para iniciarem um relacionamento” ou “herói/heroína faz longa jornada, aprende quem realmente é e volta para casa”. Quantos filmes, séries ou livros que você desfrutou recentemente se enquadra em um desses três recursos narrativos? E nem por isso foi uma obra boa ou ruim, correto? Depende muito mais da execução, dos artistas envolvidos, do que se há um “multiverso” envolvido – ou uma lição a ser aprendida, a formação de um casal ou uma longa jornada a ser trilhada.

ps – Esta coluna ficou muito teórica, não? Talvez, em outra dimensão do multiverso, eu possa ter escrito este artigo com mais exemplos, não sei. De qualquer maneira, vou aproveitar e deixar cinco sugestões de bons quadrinhos que exploram o multiverso (e se você quiser saber por que eu escolhi cada uma, é só clicar aqui e ler no site Hábito de Quadrinhos, primo irmão desta coluna):

- "Mandrake - O Mundo do Espelho" (1937), de Lee Falk, Phil Davis e Martha Davis

- "Excalibur - Uma Aventura no Tempo" (1989), de Chris Claremont e Alan Davis

- “Supremo - A História do Ano" (1996), de Alan Moore e vários artistas

- "Superboy - Jornada no Hipertempo" (1999), de Karl Kesel e Tom Grummett

- “Multiverso" (2014), de Grant Morrison e vários artistas

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.

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