Akira Toriyama tinha uma ideia bem clara do que queria com seus mangás – e conseguiu com louvor
11/03/2024 07h55
Quando acordei na última sexta, encontrei uma coisa rara nas redes sociais que frequento: um assunto praticamente onipresente. A morte do japonês Akira Toriyama, responsável pelos mangás “Dragon Ball” e “Dr. Slump”. De autores nacionais a americanos, passando por europeus e, claro, asiáticos, eu encontrava apenas mensagens de luto, agradecimento e admiração por este grande artista.
Pouco depois, outra coisa rara: minha “bolha social” havia vazado. Amigos próximos que não leem quadrinhos lamentando a morte de Toriyama e expressando o quanto era fãs do anime de “Dragon Ball”.
A admiração por Toriyama foi tão longe que até meu time do coração, o Flamengo, saudou o mangaká: afinal, a dupla Gabigol e Bruno Henrique muitas vezes comemoraram gols com o gesto de “fusão”, em homenagem a “Dragon Ball Z”. Esse gesto, que lembra um grande coração, simboliza quando dois personagens conseguem se fundir para virar apenas um, somando forças. Tudo a ver com a sintonia dessa dupla.
Se você não os conhece, cabe aqui uma breve apresentação: Akira Toriyama nasceu em 1955 no Japão e estreou como mangaká em 1978. Seu primeiro grande sucesso foi a cômica “Dr. Slump”, que saiu no Brasil em duas edições, pela Conrad e pela Panini.
A obra-prima de Toriyama é o mangá de humor e artes marciais “Dragon Ball”, que adapta livremente o épico folclórico chinês “Jornada Ao Oeste”. Em “Dragon Ball”, o protagonista Son Goku é um pequeno órfão dotado de coração puro e força acima da média. Ao lado da garota Bulma, ele parte em busca das míticas sete Esferas do Dragão. Esta série já saiu quatro vezes no Brasil, duas pela Conrad e duas pela Panini.
O resultado comercial de “Dragon Ball” é inegável. O mangá vendeu 260 milhões de exemplares mundo agora. O anime foi exibido em mais de 80 países. O sucesso, claro, não aconteceu à toa. Akira Toriyama foi um artista extremamente talentoso e fiel aos seus objetivos. Segundo o obituário que o jornal norte-americano “The New York Times” publicou na semana passada, Toriyama dizia ver com clareza o que queria com sua obra: “enquanto outros mangakás estão preocupados em transmitir mensagens didáticas, o papel do meu mangá é ser um trabalho de entretenimento completo". Ele queria divertir seus leitores.
O humor de Toriyama era transmitido de duas maneiras. O primeiro, claro, pelo roteiro. O segundo, talvez mais marcante, pela arte. Seus personagens eram caricatos, expressivos, facilmente reconhecíveis. Suas feições exageradas transmitiam claramente suas emoções. E ele ainda conseguiu inovar na maneira como aproveita as mãos – e seus gestos – nas histórias. Por exemplo, na maneira icônica como Goku colocava os pulsos unidos, com as palmas das mãos abertas, para disparar bolas de fogo poderosas o suficiente para destruir montanhas. Essa maneira gráfica, tão exagerada e original, de representar as artes marciais mágicas inspiraria, segundo o jornal americano “The Washington Post”, todo o gênero de videogames de luta – como "Street Fighter 2".
O tamanho do luto por Toriyama me lembrou um artigo publicado no ano passado pelo jornal norte-americano “Los Angeles Times”. O artigo começava assim.
“Quando eu estava em Pátzcuaro, um pueblo mágico em Michoacán, México, vi um rosto familiar. Era final de outubro e a cidade estava em plena preparação para as comemorações do Día de Muertos. (...) Ali, aninhada entre uma bolsa Frida Kahlo chibi e uma calavera, estava uma figura da minha infância, feita em poliresina, como um santo católico na casa da minha abuela: Goku.”
O título, entre cômico e laudatório, revela a tônica do artigo: “Uma homenagem a Goku, um ícone latino”. A ideia do autor era justamente mostrar o quanto “Dragon Ball” transcendeu o Japão, os mangás e os animes para se tornar parte viva da América Latina. Mas, claro, foi mais além. Dos autores de quadrinhos aos fãs de animes, de craques do futebol aos latino-americanos em geral, Akira Toriyama é um fenômeno universal.
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