Quando eu era criança, não era fácil achar mangás nas bancas aqui de São Paulo. O lançamento de “Akira”, de Katsuhiro Otomo, foi um advento: uma história adulta, envolvente, com uma arte incrível. Pena que era tão mais caro que as demais HQs à disposição. “Lobo Solitário”, de Kazuo Koike e Goseki Kojima, tinha as mesmas qualidades, mas outro defeito: a distribuição era péssima. Você achava um exemplar um dia, e a continuação dele, seis meses depois.
Hoje, o termo “mangá” não é, felizmente, restrito a nerds. Nem ele, nem muitos outros: “otaku”, “anime”, “Dragon Ball”, “One Piece”, “mangaká”, “shonen”, “shojo”... Dei uma olhada no site “Biblioteca Brasileira de Mangás” por curiosidade e descobri que a previsão é de que sejam lançados nada menos do que 74 mangás no Brasil só em junho. Setenta e quatro! Mesmo um colecionador que comprasse e lesse dois mangás por dias não daria conta...
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Não é à toa. O Japão investiu demais na sua indústria de mangás. É um patrimônio nacional com um número enorme de artistas competindo entre si. Além dos clássicos, que já marcaram época e influenciam os de hoje (Osamu Tezuka, Riyodo Ikeda, Yoshihiro Tatsumi, Naoki Urasawa, os citados Otomo e Koike), sempre temos novos talentos surgindo. E nenhuma obra me mostrou as entranhas deste desta disputadíssima competição que é o mercado de mangás do que o ótimo “Bakuman”, escrito por Tsugumi Ohba e ilustrado por Takeshi Obata.
“Bakuman”, o mangá que homenageia os mangás, foi lançado originalmente entre 2008 e 2012 – no Brasil, a JBC lançou a coleção completa entre 2009 e 2013. Aliás, a editora a está relançando desde o ano passado – o número seis é previsto para o mês que vem.
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Pois bem. “Bakuman” mostra a história de dois amigos, estudantes no colégio, que querem se tornar mangakás. Akito Takagi é um menino inteligente e extrovertido que quer se profissionalizar como roteirista. Seu amigo Moritaka Mashiro é um menino-prodígio da arte: sobrinho de um mangaká, é um ilustrador talentoso, interessado, versátil, veloz e estudioso dos quadrinhos.
Takagi e Mashiro querem fazer sucesso e atém sabem o tamanho da dificuldade – Mashiro era próximo do tio-mangaká e conhecia razoavelmente o meio. Mas se eles sabiam a tarefa hercúlea que tinham pela frente, eu não fazia ideia – e talvez poucos leitores de mangás aqui no Brasil façam.
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As maiores revistas japonesas, como a 週刊少年ジャンプ, são coletâneas semanais. O período é curto, e os artistas têm de ser velozes. Mais do que isso: é estimulada uma competividade enorme entre eles mesmo. A cada semana, a editora realiza pesquisas entre os leitores, que classificam cada história. Se uma série, por exemplo, fica numa colocação fraca por algumas semanas seguidas, é cortada. Para ser considerada “de sucesso”, ela tem de estar frequentemente entre os primeiros mais bem avaliados. No pódio, por assim dizer.
A comparação com o “pódio” cai bem, mas o que vemos, lendo “Bakuman”, é uma competição que nos parece uma final olímpica de tão difícil. Inúmeros mangakás talentosos, cada qual amparado por uma equipe de editor e artistas-assistentes, disputando bravamente subir uma posição que seja no tal ranking semanal. Não basta ser veloz, tem de ser talentosos. Aliás, não basta ser veloz E talentoso: é preciso ser praticamente um “atleta do mangá”, um “campeão do nanquim”. Velocidade, talento, disciplina, fôlego, sorte...
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E, se “Bakuman” mostra muito bem isso, não deixa de olhar para outros aspectos da vida dos aspirantes a mangakás. Há muito humor, comédia romântica e até drama – o tio-mangaká, workaholic que não conseguiu repetir o sucesso da primeira série, se suicidou. Ou seja, aspectos menos “belos” da indústria dos mangás são retratados: a cobrança, a fama, a dureza de lidar com resultados aquém dos esperados.
Mas, claro, o que predominam são as cenas que mostram a paixão dos aspirantes a mangakás. Takagi e Mashiro são simpáticos, esforçados, disciplinados – obcecados, talvez? A luta deles acaba nos atraindo, e acabamos torcendo para que a série faça sucesso. “Puxa, essa série não se firmou, quem sabe a próxima...”
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E, claro, “Bakuman”, o mangá que homenageia os mangás, nos dá vontade de ler... mangás. Pode ser “Ashita no Joe - Em Busca do Amanhã” (o favorito de Mashiro), “Dragon Ball” (o predileto de Takagi ) ou qualquer outro. Outra série da dupla Tsugumi Ohba e Takeshi Obata, obviamente, também é uma ótima pedida – o trabalho anterior deles foi o ótimo terror “Death Note”. Os caras não são fracos...
Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.
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