Coluna Hábito de Quadrinhos

A inteligência e a sensibilidade de Jiro Taniguchi


15/07/2024 09h20

Uma vez eu estava em uma livraria com meu amigo português João Mascarenhas, autor do Menino Triste e um dos maiores quadrinistas do mundo – literalmente, ele tem mais de 1,90. João e eu conversávamos sobre autores contemporâneos, e ele me recomendou vivamente o japonês Jiro Taniguchi (que na época estava vivo e na ativa). Contei que havia lido um livro dele e achado mediano, mas o meu amigo luso me recomendou outra chance (só depois lembrei que havia lido um que Taniguchi havia apenas ilustrado, e não roteirizado também).

Como sempre, o João tinha razão. Comprei alguns mangás do Taniguchi lá em Lisboa, e só os consegui ler quando voltei – na época, apenas um livro dele havia sido publicado por aqui. E, quanto mais eu lia, mais lamentava ter comprado apenas três HQs dele. Agora, em 2024, com seus mangás tão mais disseminados aqui no Brasil, acho que é um ótimo momento para falar sobre seus trabalhos.

Taniguchi criou em vários gêneros, da ficção científica ao montanhismo (!), mas o que eu prefiro são seus dramas, como “O Diário de Meu Pai”, “Zoo no Inverno” e “O Homem que Passeia”.

Os mangás dramáticos de Jiro Taniguchi têm os dois pés no chão – aliás, os dois pés e o coração. Suas histórias são narradas com calma, com passagens contemplativas, e o protagonista-narrador acaba se voltando para sim mesmo. Enquanto suas ações externas parecem lentas e comuns, sua jornada interna é densa e profunda. Não é de se esperar rápidas epifanias – o ritmo não é de uma história de super-heróis ou monstros gigantes, mas de humanos refletindo tanto com o cérebro quanto com o coração. E estas duas ações, refletir e sentir, demandam tempo.

Além de incrível roteirista, Taniguchi também é ótimo ilustrador. Seu traço limpo, detalhista e elegante nos transporta para dentro da história. Seus cenários e personagens são discretos, por assim dizer. Não há características hiperbólicas ou extravagantes no corpo, nas roupas ou nos ambientes. É como se ele não quisesse que nós os percebêssemos: o importante é acompanharmos o fluxo das histórias, os pensamentos, memórias e reflexões do narrador-protagonistas, que acabam nos envolvendo.

Não me entenda mal: ele tem talento para grandes ilustrações, mas as usa quando julga necessário, sem as banalizar. Em um dos seus mangás já publicados no Brasil, um incêndio chega a uma cidade de maneira avassaladora. Aquela página dupla, detalhada, triste e bonita, ficou comigo por muitos anos após eu ler a HQ pela primeira vez.

Não conheci Taniguchi pessoalmente. Sei que ele ganhou muitos prêmios em seu país (e fora dele, como no prestigioso Festival de Angoulême, na França, onde venceu em 2003 como melhor roteirista e 2005 como melhor desenhista), criou uma série ao lado do icônico quadrinista Moebius e teve até um asteroide batizado em seu nome (!!). Mas eu diria que a maior conquista dele foi ter conseguido ser um dos poucos artistas a levar para os quadrinhos a complexidade humana de uma maneira tão singular, sem julgamento, quase doce. Recomendo a leitura – capítulo a capítulo, página a página, quadro a quadro, sem pressa. Como seus personagens.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.

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