Fundação Padre Anchieta

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Algo que me intriga na pequena bolha em que vivo é o aparente desinteresse pela cultura portuguesa. As pessoas com quem interajo parecem muito mais ligadas à cultura norte-americana do que à lusa, com quem temos uma ligação tão próxima.

Não parece algo intencional, mas simplesmente acontece. Se você pedir para a pessoa ao seu lado citar dois bons filmes ou séries portugueses que tenha assistido, dois músicos ou dois escritores contemporâneos de Portugal... Digamos que há uma possibilidade considerável de essa pessoa conseguir citar um, mas talvez gagueje e mude de assunto ao tentar listar o segundo.

Não me leve a mal: não acho que ninguém seja obrigado a gostar de nada. Eu sou luso-brasileiro, então talvez isso me torne mais propenso a gostar da cultura lusa – adoro os filmes “Tabu” e “Um Filme Falado”, as canções de Teresa Salgueiro e Zeca Afonso, e os livros de Valter Hugo Mãe e Djaimilia Pereira de Almeida. Gonçalo Tavares é meu escritor contemporâneo favorito.

Mas esta é uma coluna sobre quadrinhos. E Portugal tem uma vasta tradição em suas BDs (bandas desenhadas) que remontam a Rafael Bordalo Pinheiro e seus “Zé Povinho” e “Maria da Paciência”, passando pelas crianças Quim e Manecas (de Stuart Carvalhais), pelas dezenas e dezenas de obras de José Ruy, chegando até a rica produção contemporânea.

Poucas dessas obras portuguesas chegaram por aqui recentemente. Uma exceção foi o sensível e ótimo “Balada Para Sophie”, com roteiro de Filipe Melo e arte do argentino Juan Cavia, publicado há dois anos. Recomendo.

Há outras exceções, claro, mas o que me fez pensar sobre isso foi a leitura de “Utopia”, escrito pela historiadora e escritora portuguesa Raquel Varela e ilustrado pelo brasileiro Robson Vilalba. Trata-se de uma bela graphic novel que narra a histórica Revolução dos Cravos sob o ponto de vista de um português comum, o homem do povo, José.

Com um roteiro bem construído e amplamente amparado em fatos históricos, vemos o contexto em que José nasceu e cresceu, o ambiente de pobreza que cercou sua família, sua chegada à idade de trabalhar e ao ambiente universitário, o contato com pessoas politizadas... Vemos um amadurecimento político natural, não forçado. José não se interessa pelos rumos do país porque alguém disse que seria bom para ele, mas porque ele mesmo caminhou para isso. E para a Revolução dos Cravos.

Utopia” é, claro, uma aula de História portuguesa. Interessante, viva, próxima da vida cotidiana. Pode despertar no leitor a vontade de buscar mais material sobre o tema, como os próprios livros de Raquel Varela, filmes (lembro que “Capitães de Abril” fez sucesso por aqui) ou outros meios de aprender mais.

E “Utopia” é também uma ótima história em quadrinhos (ou banda desenhada, se quisermos agradar minha família que mora em Portugal). Bem escrita, envolvente, sensível. Pode despertar no leitor a vontade de conhecer mais ‘BDs – “A Pior Banda do Mundo”, de José Carlos Fernandes; “Kong the King”, de Osvaldo Medina; "O Corvo”, de Luís Louro; “Nem Todos os Cactos têm Picos”, de Joana Mosi; “O Menino Triste”, de J. Mascarenhas; “O Amor Infinito Que Tenho Por Você”, de Paulo Monteiro, e tantos outros.

Utopia” pode ser uma boa maneira de aprender um pouco da história de Portugal, de entrar em contato com a rica cultura lusa ou, simplesmente, de desfrutar uma bela leitura. A gosto do leitor.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.