O francês Festival International de la Bande Dessinée d'Angoulême, mais tradicional e prestigioso da Europa (do mundo?), anunciou na semana passada a vencedora do Grande Prêmio deste ano: a francesa Anouk Ricard. Esta é apenas a sexta vez em mais de duas décadas que o prêmio vai para uma mulher.
Anouk Ricard não é inédita no Brasil: todos os cinco volumes de sua série infantil “Ana e Froga” foram publicados entre 2022 e 2023, além de outra obra infantil: “Como Gente Grande”.
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“Ana e Froga” foi publicada inicialmente na França entre 2007 e 2012. Trata-se de uma HQ de humor, colorida e com um traço profundamente pessoal, que transita entre o caricato e o naïf. Os protagonistas são a menininha Ana e seus amigos, todos animais antropomorfizados: Froga (uma sapa), Cristóvão (minhoca), Renê (gato) e Bubu (cachorro). Esta HQ inspirou a animação “Anna & Amigos”, que está disponível em serviços por assinatura.
Esta série, pela sua originalidade, já havia sido reconhecida em Angoulême e por duas vezes figurou entre os finalistas na categoria de melhor obra, perdendo para duas obras que já foram publicadas por aqui: a linda fábula “A Chegada”, de Shaun Tan, e “Pinóquio”, uma desconstrução do clássico italiano por Winshluss.
Após passar a primeira parte de sua carreira voltada a ilustrar livros infantis e a criar HQs para o mesmo público, como a citada “Ana e Froga”, Anouk passou a experimentar um novo rumo em 2008, com “Commissaire Toumi: le crime était presque pas fai”, uma sátira policial estrelada por animais humanizados. O traço pessoal e marcante, bem como as vívidas cores, se mantiveram – bem como, claro, o humor.
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A primeira premiação em Angoulême veio em 2012, na categoria de melhor álbum publicado em francês, por “Coucous Bouzon”. Mais uma vez, temos um humor meio nonsense apresentado em seu traço colorido e único: é a história de um funcionário que começa a trabalhar em um departamento de marketing de uma empresa especializada em relógios suíços antigos. Entram em cena reuniões surreais (que certamente poderiam ser substituídas por e-mails), uma secretária ninfomaníaca e até um projeto de reality show. Para ampliar a sensação de absurdo, os personagens são coloridos bichos humanizados: o protagonista, por exemplo, é um pato azul, e a tal secretária, uma sapa verde de cabelos laranjas.
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A maior premiação – até a semana passada, claro – veio em 2023, também em Angoulême: o prêmio especial do júri por “Animan”, outra obra adulta de humor. O nome dá uma pista do tema, mas só para for mais velho, como eu: trata-se de uma brincadeira com o seriado norte-americano “Manimal”, exibido nos EUA em 1983 e depois retransmitido no Brasil pela Globo e pela extinta Manchete. Se em “Manimal” o protagonista podia se transformar em qualquer animal, Francis, o Animan do título, também pode assumir formas animais, especialmente para combater seu arquivilão, Objecto.
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Será que, com este prêmio, nós, brasileiros, seremos apresentados ao humor adulto – e peculiar – de Anouk Ricard? Imagino que, apesar da semelhança gráfica, será uma mudança e tanto para os leitores acostumados a “Ana e Froga”.
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Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.
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