Não tem sido fácil criar boas sagas de super-heróis nos quadrinhos. Não digo isso por acreditar que o gênero esteja gasto ou algo assim. Há histórias bacanas, revistas mensais que merecem ser acompanhadas e também material ruim – neste como em qualquer outro gênero, aliás.
Nos últimos tempos, três séries de super-heróis têm feito meus olhos brilharem: “Invencível”, com roteiros de Robert Kirkman; “Powers”, escrita por Brian Michael Bendis”; e meu tema de hoje: “Astro City”, série criada pelo trio Kurt Busiek, Brent Andersen e Alex Ross.
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Explicar o que é “Astro City” é simples: trata-se de uma enorme homenagem ao gênero dos super-heróis. Imagine um mundo em que os principais protagonistas das rivais DC e Marvel convivem, quantas histórias maravilhosas viriam daí – especialmente aquelas contadas do ponto de vista dos humanos normais.
Para ser preciso, os heróis de “Astro City” não são os originais da DC e da Marvel, mas homenagens tão bem feitas que é impossível não perceber. O Superman, por exemplo, virou o Samaritano. E temos também o Quarteto Fantástico (Primeira Família), Vitória Alada (Mulher-Maravilha) etc.
Se o ponto de partida é simpático – praticamente uma declaração de admiração aos artistas predecessores -, a execução é impecável. Há ação, claro, mas como, na maioria das vezes, são as histórias dos coadjuvantes que são colocadas em primeiro plano, vemos dramas, romances, superações e perdas narradas com a conhecida qualidade de Busiek – ele é o escritor de “Marvels”, que também foca a vida de humanos normais em meio a um mundo recheado de super-seres.
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As histórias são ilustradas por Brent Andersen, e o multipremiado Alex Ross, conhecido pesquisador do gênero, entra com a arte da capa e trabalhando com Busiek na concepção dos personagens.
“Astro City” foi criada em 1995, mas sua produção, infelizmente, não é contínua. Começou com uma minissérie, depois uma revista de poucos números, uma edição especial etc. Houve alguns hiatos de anos sem nada publicado – o mais recente, entre agosto de 2018 e março de 2022.
A primeira mini, lá em 1995-95, trouxe seis histórias curtas e marcantes – como a dificuldade de um jornalista humano em relatar uma batalha épica dos heróis, mas da qual ele era a única testemunha. Outro conto traz um olhar sobre o Samaritano (o Superman): com o que sonha o homem mais poderoso do mundo quando ele finalmente dorme?
Outro arco de histórias, publicado pouco depois, mostra um vigilante vestido de preto que só é visto à noite e amedronta o coração dos criminosos, covardes e supersticiosos que são. Seu nome é Confessor, e qualquer semelhança deste sombrio e enigmático personagem com o Batman não é coincidência – inclusive a história mostra o início da parceira com seu dinâmico parceiro Coroinha (sim, o Robin).
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Se não contei errado, foram publicadas 52 edições de “Astro City”, posteriormente reunidas em 17 volumes encadernados. O reconhecimento da crítica é incrível: nada menos do que 12 prêmios Eisner Awards, o Oscar dos quadrinhos americanos, em diferentes categorias: escritor (para Kurt Busiek), edições únicas (em 3 anos diferentes), história em capítulos, série contínua, série nova e capista (Alex Ross).
Agora é hora de explicar o título desta coluna. Apenas 12 dos 17 volumes encadernados saíram por aqui – o último foi “Corações em Conflito”, publicado em 2019. Onde estão os demais volumes? “Honor Guard” (que presumo que seja sobre a Guarda de Honra, supergrupo que homenageia ao mesmo tempo a Liga da Justiça e os Vingadores), “Reflections”, “Ordinary Heroes” e os demais?
Estamos há tempos demais sem visitar Astro City. Não sei se Samaritano, Vitória Alada e a incrível Primeira Família sentem falta dos leitores brasileiros, mas eu decididamente sinto falta deles. Até do sombrio e enigmático Confessor.
Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.
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