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Besouro Azul e Gladiador Dourado em série própria! Conheça a origem da dupla mais engraçada da DC Comics


26/04/2021 11h05

Quando a DC Comics criou a Liga da Justiça, em 1960, a ideia era colocar todos os principais heróis em uma revista só: Batman, Mulher-Maravilha, Superman, Flash, Hal Jordan (Lanterna Verde) e Aquaman no mesmo título não tinha como dar errado. E acertaram, foi um sucesso, influenciando inclusive a criação dos Vingadores, na rival Marvel, alguns anos depois.

O tempo passou, e autores, personagens e a própria editora mudaram. Em 1987, a DC cancelou a revista mensal da Liga, que já passava do número 200, e quis recomeçar do primeiro. Para compor o elenco do grupo, tinha à disposição o Batman e... só. Os outros cinco super-heróis não foram liberados.

Coube aos roteiristas J.M. DeMatteis e Keith Giffen fazer uma limonada com os poucos limões disponíveis: personagens de terceira categoria – alguns, ilustres desconhecidos. Em vez da limonada, fizeram bolo, sorvete, torta de limão...

Transformaram a Liga da Justiça em sucesso de vendas, e DeMatteis e Keith Giffen ficaram cinco anos escrevendo o título. O segredo deles: aos poucos, transformaram a revista de uma HQ de muitas aventuras com um toque de humor em um título de humor estrelado por super-heróis.

Sim, Besouro Azul, Gladiador Dourado, Flama Verde e Dama do Gelo são super-heróis, com poderes, identidades secretas e uniformes bacanas. Mas, antes disso, são humanos, amigos entre si. As missões (olha, é o Despero destruindo as sedes das Nações Unidas!) são importantes, mas o que eles fazem entre elas é ainda mais interessante.

Eram tantas piadas, normalmente protagonizadas pela dupla de patetas Besouro Azul e Gladiador Dourado, que havia até uma onomatopeia característica dessa fase: “bwah-ha-ha”, uma risada levemente histérica que aparecia em suas despretensiosas páginas.

DeMatteis e Giffen, claro, não merecem todos os créditos. Do editor, Andy Helfer, a uma equipe de talentosos artistas, como Kevin Maguire e Adam Hughes, uma liga incrível profissionais deu cara (e caretas) às cenas de ação e aos improváveis diálogos pensados pela dupla.

“Salvar o mundo” aparecia nas histórias com a mesma importância das questões pessoais. Por exemplo: a dificuldade do Senhor Milagre em conciliar seu casamento com o emprego na Liga; os eternos problemas financeiros tanto do Besouro Azul quanto do Gladiador Dourado; o romance do arrogante machista Guy Gardner com a doce e tímida Gelo.

Quando DeMatteis e Giffen deixaram a revista, os roteiristas posteriores tentaram manter o ritmo, sem muito sucesso. Ainda eram heróis menos famosos (Agente Liberdade? Máxima? Condor Negro? Bloodwynd?), quase párias, mas não havia mais a mesma química entre eles. Essa pegada humana, acima de tudo, e humorística foi deixada de lado quando o roteirista Grant Morrison assumiu o título, dando ênfase na parte “super” dos heróis – e criando uma nova ótima fase.

Mas o reflexo da “Fase Bwah-ha-ha” da Liga da Justiça existe até hoje. O seriado “Legends of Tomorrow” é influenciado por essas HQs. Embora sejam outros personagens (igualmente pouco famosos), a galhofa das histórias e a interação entre eles lembra demais o que DeMatteis e Giffen criaram. O nerd deslocado Besouro Azul, dos quadrinhos, lembra bastante o Ray Palmer de Legends, assim como seu “bromance” com o Gladiador Dourado ecoa na amizade de Palmer com o Gládio. O anti-herói bronco (mas sensível lá no fundo) Guy Gardner dá vez ao Onda Térmica. Os outros personagens não são tão próximos necessariamente, o que é bom: a série deu um passo além e encontrou sua própria voz, ampliando o Universo DC com novos e divertidos super-heróis: Canário Branco, Ava, Zari...

Não é só na TV, claro. Nos quadrinhos, inclusive fora do gênero dos super-heróis, autores ainda são influenciados por essa revista tão fora da casinha. Afinal, no fim dos anos 80 e início dos no 90, ela era a única, do vasto universo DC-Marvel, com esse tom. Virou uma referência. Tanto que republicações e “passos adiantes” continuam mais de três décadas depois, neste pandêmico período em que vivemos.

No final de 2020, a DC Comics lançou o segundo volume de “Justice League International Omnibus”, que compila a “Fase Bwah-ha-ha” em edições de mais de mil páginas. No Brasil, a Panini está relançando a saga na coleção Lendas do Universo DC – Liga da Justiça – sete volumes já saíram, espero que o oitavo esteja vindo em breve.

E quando digo que há “passos adiantes” falo, por exemplo, de uma notícia divulgada na semana passada. A DC Comics ela vai lançar, em julho, uma minissérie estrelada por Besouro Azul e Gladiador Dourado: "Blue and Gold" ("Azul e Dourado", em tradução livre). O “bromance” dos dois era o pilar do humor da série, então podemos esperar uma história leve e divertida, para lermos sorrindo.

Há um ótimo podcast, infelizmente em inglês, que aborda exatamente a fase escrita por DeMatteis & Giffen. Cada episódio (são mensais) disseca uma edição da revista: quem são os personagens, o que houve de diferente aqui, qual o momento mais engraçado. O podcast, que não à toa se chama Justice League International – Bwah-Ha-Ha, leva um convidado por edição – por vezes são artistas que leram essas HQs quando mais jovens e hoje transpiram essa influência em seu trabalho. É frequente, nessas conversas, eles se perguntarem: “por que, 30 anos depois, ainda estamos nos debruçando sobre essas páginas?”. Porque é bacana quando a Arte, qualquer que seja ela, nos apresenta o lado humano dos personagens – inclusive dos super-heróis. Porque é legal ler histórias que não se levem a sério e consigam nos entreter. E, principalmente, porque o material em questão é muito bom. Bwah-ha-ha!

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.

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