Coluna Hábito de Quadrinhos

De ligação profunda com Watchmen a série na HBO: afinal, quem é o Pacificador?

O Pacificador (Peacemaker, no original) foi criado por Joe Gill (roteiro) e Pat Boyette (arte) para a editora Charlton Comics e apareceu apenas em oito HQs entre 1967 e 68


28/12/2021 14h50

A HBO vai estrear, no mês que vem, “Pacificador”, minissérie inspirada em um obscuro personagem da DC Comics. Sua trajetória é bem peculiar:

* Não foi originalmente um sucesso: apareceu em menos de dez histórias e ficou no limbo por décadas;

* Está intimamente ligado à icônica HQ “Watchmen”;

* Faz mais sucesso nas telas do que nos quadrinhos.

Enfim, quem é o Pacificador?

A fase original

O Pacificador (Peacemaker, no original) foi criado por Joe Gill (roteiro) e Pat Boyette (arte) para a editora Charlton Comics. Não deu lá muito certo: apareceu em apenas oito HQs entre 1967 e 68, e depois sumiu por quase duas décadas.

Este super-herói surgiu em uma história de oito páginas publicada na 40ª da revista “Fightin' Five”. Tratava-se de Christopher Smith, um pacifista diplomata de carreira. Aliás, autoproclamado pacifista. Porque, indignado com criminosos (especialmente os corruptos), ele passou a combater o crime com um uniforme peculiar, com direito a um jato nas costas que o faz voar e um capacete nada fotogênico.

Smith faz uma reflexão logo na segunda página de sua primeira aventura que diz muito sobre a motivação e a identidade do personagem:

“Os países [envolvidos em guerras] deveriam estar comprando ferramentas para fazendas e alimentos básicos, além de construindo escolas. Em vez disso, compram tanques, armas e bombardeiros... e matam uns aos outros em guerras que nenhum deles deseja!” E, mais adiante: “Eu detesto violência, mas por causa da minha insuficiência [como diplomata], milhares de inocentes vão morrer! Eu... Eu devo fazer aquilo que jurei nunca fazer!”

Pronto. Nascia assim o violento Pacificador, protagonistas de histórias de aventura e espionagem sem nenhum senso de humor.

Duas décadas depois...

A última aventura do Pacificador pela Charlton saiu em 1968. Anos depois, a poderosa DC Comics comprou alguns personagens da editora – Pacificador, Besouro Azul, Capitão Átomo... Como eles poderiam ter existido no mesmo mundo de Superman, Batman e Mulher-Maravilha e nunca terem sequer ouvido falar uns dos outros?

Simples: eles viviam em dimensões diferentes. Os personagens principais da DC, como a Liga da Justiça, vivam na Terra Um, enquanto os da Charlton estavam na Terra Quatro. Tudo isso foi mostrado na minissérie “Crise na Infinitas Terras”, lançada entre 1985-86. Foi em breves aparições nesta HQ que o Pacificador voltou do limbo de quase duas décadas.

E mais: “Crise” acabou com uma revolução. O universo da DC recomeçou do zero, com todos os personagens morando em uma mesma dimensão. Era a chance de os autores recomeçarem a contar a vida dos seus personagens desde o zero – em muitos casos, mudando a origem destes heróis. Foi o que aconteceu, em um primeiro momento, com Superman, Batman, Mulher-Maravilha e outros. Em um segundo momento, com ele: o Pacificador.

Ligação com “Watchmen”

Uma certa negociação aconteceu pouco antes de Pacificador e outros heróis da Charlton fazerem suas estreias como personagens da DC. Dois artistas britânicos, o escritor Alan Moore e o ilustrador David Gibbons, apresentaram a proposta de uma história para a editora. A HQ seria estrelada pelos esquecidos heróis da Charlton e seu título dela seria... “Quem Matou o Pacificador?”.

Sim, seria uma história de mistério que começaria com o assassinato do pobre Christopher Smith. Mas não rolou: a DC quis preservar os personagens e orientou Moore e Gibbons a criarem seus próprios super-heróis. Os britânicos obedeceram e nasceu assim “Wacthmen”, uma das maiores HQs de super-heróis de todos os tempos.

Moore e Gibbons não se limitaram a decalques exatos dos personagens da Charlton, é claro. O Besouro Azul, por exemplo, recebeu toques do Batman para dar origem ao Coruja. E o Pacificador foi somado ao humor sombrio do Coringa para dar origem ao Comediante (cujo nome remete mais ao vilão do Batman, eu sei). Mas veja como começa “Watchmen”: com o assassinato do Comediante – o mote da não-publicada “Quem Matou o Pacificador?”.

Essa história parece lenda urbana para valorizar um personagem desconhecido, eu sei. Mas quem a contou foi o próprio Alan Moore, em entrevista de 1987 ao “The Comics Journal”.

A nova origem

Eu mencionei mais acima que a DC passou a reapresentar seus personagens para os leitores, recontando suas origens, após o fim da “Crise”, em 1986. A vez do Pacificador chegou em 1988, com a minissérie “Peacemaker”, escrita por Paul Kupperberg e ilustrada por Tod Smith.

Esta versão do Pacificador é próxima da original, mas com nuances. Filho de um nazista com uma norte-americana, Christopher Schmidt (que mudou seu nome para Christopher Smith) é um eficaz e violento agente do governo norte-americano, que age motivado por seu enorme amor pela paz.

Esta versão de Smith viu, ainda criança, seu pai nazista cometer suicídio na sua frente. E ele adulto é perseguido por esta cena – é constantemente provocado pelo espírito do pai morto, mesmo quando está em ação como o super-herói Pacificador. Não fica claro se quem o atormenta é, de fato, o fantasma do pai ou se é algum tipo de trauma psíquico provocado pelo trágico fato.

Os sucessores menos famosos

É normal, no universo dos quadrinhos de super-heróis, um codinome passar adiante – a DC já teve três Batmen, por exemplo, enquanto a Marvel teve sete Capitães Américas. Se o Pacificador original nunca foi muito famoso, o que podemos dizer de seus dois sucessores?

O segundo Pacificador apareceu tão pouco (coadjuvante em meras três histórias) que nunca teve seu nome e rosto revelados. Criado em 1994 por Gerard Jones e Chuck Wojtkiewicz, tratava-se de um aventureiro com um uniforme muito próximo do usado pelo Pacificador original que atuou em algumas missões de um esquadrão de superseres a serviço da ONU.

O terceiro Pacificador (logo acima) teve um pouco mais de destaque. Apareceu em 11 histórias, ganhou um uniforme diferente, vermelho e dourado, e teve até um pouco de seu passado revelado: trata-se do médico Mitchell Black, sem nenhuma ligação com Christopher Smith. Este personagem foi criado em 1999 por Bob Layton e Dick Giordano.

O filme e a minissérie

Por fim, chegamos a 2020. O cineasta James Gunn lançou o divertido “O Esquadrão Suicida”, filme que conta com John Cena interpretando o Pacificador original. Nesta versão, Christopher Smith é extremamente forte, eficiente... e burro. Mas carismático o suficiente para conseguir estrelar sua própria minissérie televisiva.

“Pacificador” estreia no dia 13 de janeiro na HBO Max. A julgar pelo trailer, mantém o tom de ação com humor de “O Esquadrão Suicida”, mas aparentemente teremos mais tempo para entender como (e por que) Smith virou o Pacificador.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romanceVenha me ver enquanto estou vivae da graphic novel Púrpura, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.

ÚLTIMAS DO FUTEBOL

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

Secretaria de Saúde de SP dá dicas para evitar intoxicação infantil durante as férias

EUA receberam informações de plano iraniano para assassinar Donald Trump; Irã nega

Aeroporto de Porto Alegre será reaberto em outubro, diz ministro

Militares custam 16 vezes mais à União do que aposentados do INSS, revela TCU

Concurso TSE Unificado: calendário das provas é alterado; veja mudanças