Sou do tempo em que era difícil achar a edição brasileira de um mangá. Ou você tinha muita sorte e encontrava algum exemplar perdido de “Lobo Solitário” por aí, ou se contentava com animes esporádicos na TV Manchete – o que nunca foi o suficiente para mim. Eu gostava mesmo era de ler.
Hoje... Hoje há, mensalmente, dezenas de mangás sendo publicados (e republicados) no Brasil. Shonen (destinado ao público masculino mais jovem), shoujo (idem, mas para o público feminino), gekigá (voltado ao leitor maduro)... Algumas séries são extremamente populares (“One Piece”, “Naruto”) e dispensam apresentações. Outros títulos, entretanto, precisamos garimpar. Um dos meus prazeres, em meio à enxurrada de lançamentos, é procurar obras ou autores premiados. É um filtro que me ajuda no meio da enxurrada de ofertas.
Por isso fiquei tão feliz ao ver que a Devir vai lançar a série “Showa”, de Shigeru Mizuki (1922-2015).
Pouco publicado no Brasil, Mizuki cria dois estilos de histórias bem diferentes entre si. Um é o sobrenatural, envolvendo folclore e contos de terror – caso de “NonNonBa”. O outro é o de HQs bem calcadas na realidade – como na Segunda Guerra Mundial (que ele lutou), em que é ambientado “Marcha para a Morte”. “Showa” se encaixa neste segundo caso.
Há um período na história recente do Japão que é conhecido como “Era Showa”: vai de 1926 a 1989, quando o país foi comandado pelo Imperador Hirohito. O subtítulo da versão americana resume bem a obra: “A History of Japan”, “uma história do Japão”, em tradução livre.
“Showa” é uma obra de fôlego: são mais de 2.000 páginas. No Japão, este material todo foi dividido em oito volumes. Nos Estados Unidos, a publicação foi diferente: quatro calhamaços de mais de 500 páginas, reunindo períodos distintos (1926 a 39, 1939 a 44, 1944 a 53 e 1953 a 89).
O segundo volume de “Showa” lançado nos EUA venceu o Eisner Awards (o de 1939 a 44), o Oscar dos quadrinhos americanos, na categoria de quadrinhos asiáticos, empatado com o terceiro volume de “Showa” (1944 a 53), veja você. O tomo que encerra a série (1953-89) foi lançado no ano seguinte e também foi laureado na mesma categoria.
A Devir anunciou que a edição brasileira seguirá a americana, com quatro volumes. Ainda não há data de publicação, mas vale ficar de olho: um baita mangaká usando todo seu talento para abordar, sem se deslumbrar, a história recente de seu país. No meu filtro de o que vou priorizar para ler, consegue a pontuação máxima.
ps – em tempo: se não sabemos quando teremos o primeiro exemplar de “Showa” à disposição, já é possível ler em português os dois tipos de mangás de Mizuki. “NonNonBa”, que envolve mitos e terror, saiu em 2018. “Marcha para a Morte” pintou por aqui em 2020, oito anos depois de vencer o Eisner Awards também na categoria de quadrinhos asiáticos.
Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.
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