Coluna Ricardo Fotios

Inteligência artificial e a criação do humano sintético

Cada foto publicada no big data pode servir de modelo para algoritmos criarem uma pessoa nova, que só exista no ciberespaço


22/10/2020 18h00

As pessoas da foto acima não existem. As imagens foram geradas automaticamente por um sistema complexo de inteligência artificial (IA) batizado de Redes Generativas Antagônicas (GAN, do inglês Generative Adversarial Networks), desenvolvido pelo pesquisador Ian Goodfellow. Mais do que “corrigir” as feições de gente de carne e osso, a técnica concebe rostos que não poderão ser vistos nas ruas.

Observadas como fotos estáticas já impressionam pelo realismo, mas, ao permitir movimentos aos personagens, o método de aprendizado de máquina revela que pode, sim, haver dois mundos: um real e outro criado no ciberespaço, com seus personagens e comportamentos próprios, alheios – mas idênticos - aos humanos.

O sistema utiliza redes neurais artificiais inspiradas no sistema nervoso de animais e pessoas, em ter outras fontes de dados. A partir de características retiradas de imagens reais, as GAN criam novas imagens, incluindo movimento perfeitos da íris e dos lábios, algo nada trivial neste tipo de iniciativa computacional.

A precisão com que o método do cientista Goodfellow realiza a tarefa se deve à combinação de duas redes executando tarefas simultaneamente. Uma rede faz a geração da imagem, a outra faz a validação para identificar traços de artificialidade. Na prática, a tarefa da primeira é enganar a segunda. Se passar pelo crivo da IA, então certamente vai passar por olhos humanos bem menos detalhistas.

A invenção também permite a criação de rostos artificiais a partir da entrada de características por texto. Ou seja, um ser do mundo virtual pode “nascer” de um conjunto de informações digitadas em palavras, como tom da pele, cor dos dentes, comprimento dos cabelos, tamanho dos olhos etc.

Esta é, provavelmente, a etapa em que a ciência da computação mais se aproximou da “criação” tal como descrita nos livros bíblicos, só que tendo algoritmos no lugar do Deus único. Assim como os replicantes do filme “Blade Runner” (Ridley Scott, 1982), fica evidente que a artificialidade sintética busca ser imagem e semelhança do ser humano orgânico.

O mesmo experimento é feito com animais e objetos, como carros e obras de arte. Assim, é possível criar um quadro impressionista com todas as características do francês Claude Monet, por exemplo, mas inexistente no mundo que convencionamos chamar de real. Pode até entrar em um leilão online e enganar algum colecionador desavisado.

 Esse gatinho também só existe na rede

Crédito: Reprodução/ thiscatdoesnotexist.com

Todo o estudo e sua codificação são de domínio público e podem ser utilizados por quem quiser e souber manipular alguma linguagem de programação, como Python. A ideia é treinar os algoritmos à exaustão para produzir imagens cada vez mais realistas.

Todo o estudo e sua codificação são de domínio público e podem ser utilizados por quem quiser e souber manipular alguma linguagem de programação, como Python. A ideia é treinar os algoritmos à exaustão para produzir imagens cada vez mais realistas.

As fotos de pessoas sintéticas, digamos assim, podem ser geradas em tempo real pelo endereço thispersondoesnotexist.com. E para quem gosta de jogo dos erros, dá para desafiar o olhar e tentar descobrir quem é a pessoa de mentira entre duas opções no site whichfaceisreal.com.

Muitas experiências como esta – conhecidas por deep learning (aprendizagem profunda, em tradução literal) - estão em marcha, nem sempre tão transparentes e documentadas como as GAN. Os bancos de dados nos quais as redes neurais se baseiam estão repletos de fotos de gente de verdade, que “ensinam” as máquinas como são os humanos para que elas imitem seus traços.

Quem não deseja virar modelo de algoritmo talvez tenha de reavaliar o uso de fotos em brincadeiras de rede social que criam avatares engraçadinhos a partir de uma imagem. Ou que decida logo por correr o risco de ganhar um “clone” no mundo virtual, cujas aparições podem não ser assim tão divertidas.

Ricardo Fotios
é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018) e pesquisador associado ao ESPM MediaLab.

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