Coluna Ricardo Fotios

Dados de cidadãos vazam porque estão disponíveis

Brasileiros ficam chocados com exposição de informações pessoais na internet, mas negligenciam sua privacidade por qualquer joguinho de rede social


29/01/2021 20h36

É evidente que há ação criminosa nos recorrentes vazamentos de dados de brasileiros na internet. Mas a tarefa desses gatunos digitais é facilitada pela negligência de cidadãos em relação às próprias informações que deveriam proteger.

Mal comparando, um bandido que pretende invadir uma propriedade, por exemplo, terá mais êxito na atividade se o imóvel permanecer aberto, sem portas e janelas trancadas. Não se trata de culpar a vítima em vez do agressor, mas preservar o que se estima pode ajudar a evitar o crime.

Muitos dos dados vazados nem são obtidos pela internet, mas por meios físicos corriqueiros. Em sua coluna no UOL, o professor Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), lembrou um desses hábitos comuns: dar o CPF nas farmácias em troca de algum desconto, sem que o consumidor se dê conta das ligações que se pode fazer entre esse número e os medicamentos que adquire.

Mesmo os dados mais singelos podem virar uma importante ferramenta de identificação inadequada de pessoas. Pelo Twitter, a especialista em ciência de dados Fernanda Campagnucci pontuou sobre o tom de indiferença que muitos assumem em relação ao conhecimento do código postal: “CEP, especificamente ele, é a variável que mais chega perto do indivíduo, pinta um alvo nele”, alertou.

Como se pode notar pelos vazamentos recentes, o desdém com a privacidade não é novo nem exclusividade do espaço digital. Mas é na internet que esses crimes ganham dimensões gigantescas, podendo gerar inúmeros “clones” daqueles indivíduos, fazer compras e até contrair dívidas sem que o titular dos dados saiba.

Como utilizar a internet é um aprendizado simples e cada vez mais intuitivo. O que se apresenta como fundamental nesta etapa da digitalização da sociedade é saber o que é e como funciona o ciberespaço. Nesta nova configuração de mundo, a evolução dependerá do grau de domínio de tecnologias de informação e comunicação (TICs).

Nesse sentido, o Brasil avançou com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), que entrou em vigor no ano passado. E pode avançar mais se as escolas de Educação Básica conseguirem implementar o que diz a 5ª Competência Geral da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), de 2018:

“Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.”

Os desafios para preparar equipamentos e capacitar professores serão muitos, como vimos nos obstáculos enfrentados pelas aulas a distância durante a pandemia. Mas não há caminho de volta. O brasileiro do futuro deverá saber, pelo menos, que não deve trocar seus dados pessoais por joguinhos de rede social.

Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação e da cibercultura. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018).



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