Manual ensina a desmentir boatos de forma descomplicada
Para ajudar na guerra contra a desinformação, pesquisadores das principais universidades do mundo criaram guia de desmistificação baseado em estudos científicos
19/02/2021 20h14
O desejo de alertar amigos e parentes sobre informações falsas ou enganosas que circulam pela rede é crescente, mas muitas vezes frustrante. Gera certo desânimo repetir inúmeras vezes que algo é mentira e ver o tio compartilhando repetidamente o assunto. O fracasso, no entanto, pode estar relacionado à maneira como se desmente o boato, já que técnicas de desmistificação costumam ficar represadas nos ambientes acadêmicos ou em redações especializadas em checagem de fatos.
Com o objetivo de fornecer subsídios científicos - mas descomplicados e acessíveis _ sobre desinformação e sua desmistificação, um grupo de 22 proeminentes pesquisadores de 20 universidades, sediadas em cinco países, publicou o Manual de Desmistificação 2020. O trabalho, disponível em nove idiomas, inclusive o português, traz o que se sabe até agora sobre esse mal da nossa era e sobre como combatê-lo adequadamente.
Todo mundo que já tentou desmentir um boato no grupo da família já deve ter percebido que no grito não se ganha essa guerra. Também não será com explicações longas que se convencerá a prima de que algo que ela compartilha é enganoso. Assim, o manual recomenda evitar linguagens técnicas e focar o desmentido em fatos. Usar gráficos e imagens também ajuda, segundo os pesquisadores.
Fruto de consenso entre os estudiosos envolvidos, o manual também atualiza uma crença da versão anterior da publicação, de 2010, segundo a qual fazer muitas correções acabaria por reforçar o mito em vez de diminuir sua força. É o chamado efeito “backfire” (tiro pela culatra, em inglês). O trabalho atual, no entanto, reduz essa preocupação.
As pesquisas mostram que sim, desmistificar um boato o torna mais familiar. Mas os benefícios do desmentido prevalecem e fazem o esforço valer a pena. “Não deixe de realizar uma desmistificação ou de corrigir desinformações por receio de que ela aumente a crença em informações falsas”, recomenda o manual.
Para comunicadores e legisladores, a publicação também sugere que a verdade apareça antes do mito, seja em texto, vídeo ou imagem. Só depois é que se deve citar o boato, explicar como a mentira foi construída e, finalmente, repetir o fato, com no esquema abaixo, reproduzido do manual:
O livreto também aconselha a mencionar o mito apenas uma vez. Desta forma, cria-se uma indexação a partir do fato e não do boato, o que facilitará que cidadãos encontrem o desmentido mais facilmente e com destaque nas ferramentas de busca. “As melhores correções são tão proeminentes (presentes nas manchetes em vez de escondidas no meio do texto) quanto a desinformação”, diz o estudo.
Uma parte um tanto controversa das preciosas dicas do manual fala da ação em redes sociais. Para os pesquisadores, corrigir abertamente usuários que tenham publicado algum tipo de desinformação é positivo, pois gera “correção observacional”, ou seja, outros usuários verão o desmentido e também serão impactados. Mas pode ser a última vez que veja algo do amigo que foi repreendido. O risco do bloqueio pode compensar, afinal.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação e da cibercultura. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018) e pesquisador associado ao ESPM MediaLab.
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