Sim, é possível ensinar e aprender em aula online
Pandemia mostra que educação pode ser eficiente remotamente, desde que tecnologias adequadas estejam disponíveis e que o aluno queira aprender
04/06/2021 17h08
Neste mês de junho, formarei a primeira turma de alunos totalmente online nas duas disciplinas que ministro na graduação em jornalismo, por imposição da pandemia de coronavírus. Posso assegurar que conseguimos – o professor e os alunos, pois se trata de processo conjunto – alcançar o mesmo nível de aprendizagem dos modelos presencial e híbrido aos quais estávamos acostumados.
É importante considerar que leciono disciplinas laboratoriais sequenciais – Jornalismo de Dados (5º semestre) e Estudos Aplicados de Conteúdo Online (6º semestre) -, o que quer dizer que mesmo presencialmente estaríamos em salas de aula especiais, com computadores e internet. Tenho consciência de que muitos ensinamentos só serão efetivos no já testado e aprovado modelo de aula tradicional.
Também é preciso colocar na conta que dispusemos de suporte tecnológico da instituição, que é privada, incluindo fornecimento de softwares profissionais, treinamento e assessoria. Tenho consciência de que muitos ensinamentos só serão efetivos em ambientes com boa infraestrutura, o que precisa de investimento financeiro.
Dito isto, atribuo o êxito da empreitada a, principalmente, dois fatores: primeiramente, às ferramentas tecnológicas adequadas e sempre disponíveis – não me refiro a programas de videochamada, apenas, mas a sistemas de gerenciamento de conteúdo acadêmico e comercial, editores de imagem, vídeo e áudio, site de gestão de atividades, planilhas avançadas e, fundamentalmente, bom acesso a internet – e, finalmente, ao empenho pessoal de cada estudante.
Mesmo no ensino superior, dentro da sala de aula tradicional, o professor precisa atuar como tutor, chamando a atenção dos alunos de volta para os estudos, removendo ruídos e materiais estranhos ao conteúdo da aula e até estancando discussões inoportunas. Na sala de aula virtual, o estudante precisa alcançar um nível extra de maturidade e de foco.
Do campeonato de futebol na TV à conversa na sala ao lado, tudo pode desconcentrar o aluno que, no mundo ideal, deveria reservar o período de aula exclusivamente para os estudos, para seu próprio aproveitamento. No entanto, desde 2007, quando surgiu o smartphone, o professor sofre concorrência desleal da pequena tela que tudo abriga, especialmente longas conversas no zap e nas redes sociais. Meio que por instinto, o jovem desenvolveu técnicas para se tornar multitarefeiro, o que considero uma vantagem.
Esta semana, por exemplo, meus alunos do 5º semestre apresentaram seus trabalhos finais de mineração de dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Quando nos locomovíamos e nos aglomerávamos com segurança e certo prazer, essa atividade tinha o formato de workshop. Adaptamos para que os grupos pudessem apresentar de suas casas, o que exigiu dos estudantes disciplina para “embalar” o conteúdo das investigações jornalísticas e habilidade para lidar com a videochamada ao vivo. O resultado não deixou nada a dever para as apresentações presenciais.
Mas está claro que só vontade não basta para a aula online fluir. Paralelamente ao ensino na graduação, leciono como voluntário em uma oficina de jornalismo comunitário, dedicada a alunos do ensino médio de escolas públicas. Ali a experiência remota é diferente. A parte em que se espera a dedicação do aluno não muda, pois acorda cedo no sábado para fazer um curso extracurricular quem quer mais da vida, certo? Já no quesito tecnologia, a história é outra.
Sem ferramentas adequadas à disposição, os alunos dependem de seus próprios equipamentos e conexões, muitas vezes precários ou inexistentes. Neste caso, um laboratório presencial em que os estudantes pudessem praticar em programas de alto desempenho seria bom, mas a responsabilidade cívica nos impede de nos agruparmos, por enquanto.
Mas melhor mesmo seria se os alunos pudessem contar com “kits de aprendizagem remota”, incluindo internet e computador com softwares diversos. Além de mais barato, o conjunto de ferramentas de uso temporário estaria em linha com o que projeto – e desejo - para as novas gerações: formação de cidadãos mais autônomos e independentes de corporações e governos.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação e da cibercultura. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018).
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