Fundação Padre Anchieta

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– Ah, isso é folclore!

Quantas vezes usamos (ou ouvimos) essa expressão para falar de algo que não existe?

Certamente, muitas. Então, aproveitando o mês do folclore que, no Brasil, é comemorado no dia 22 de agosto, vou mostrar neste Slime curiosidades e provar pra você que o folclore está diariamente em nossas vidas, bem debaixo dos nossos narizes, e muitas vezes não percebemos.

Imagem: Reprodução/Twitter @DivaAtrevida

Primeiro, bora relembrar o que é folclore? Como quem tem boca vai à Roma, fui perguntar para o dicionário de significados.com.br:

“Folclore é o conjunto de tradições e manifestações populares constituído por lendas, mitos, provérbios, danças e costumes que são passados de geração em geração. A palavra tem origem no inglês, em que "folklore" significa sabedoria popular. A palavra é formada pela junção de folk (povo) e lore (sabedoria ou conhecimento). O folclore simboliza a cultura popular e apresenta grande importância na identidade de um povo, de uma nação. Para não se perder a tradição folclórica, é importante que as manifestações culturais sejam transmitidas através das gerações. (...) É o produto da cultura de um país e por isso cada país tem elementos únicos de folclore. (...) Em sentido figurado, a palavra "folclore" é usada com o significado pejorativo de "mentira", "invenção", designando algo fantasioso. Também se refere a determinadas características pitorescas relacionadas com uma pessoa, um acontecimento, um lugar, etc. Por exemplo: folclore político.”


O folclore brasileiro é muito rico, vai além de apenas lendas e mitos folclóricos, e possui variadas manifestações culturais populares como:

· Carnaval, Festas Juninas, Festa do Divino, Jongo, Maculelê;
· Música e dança: frevo, samba, xaxado, quadrilha;
· Cantigas de roda: atirei o pau no gato, ciranda-cirandinha, sapo cururu;
· Brincadeiras de rua: pega-pega, pula-mula, queimada;
· Frases feitas, provérbios, trava-línguas, parlendas, brincadeiras e muito mais.

Imagem: Reprodução/Twitter

Vou relatar aqui algumas manifestações folclóricas em minha vida e, como uma andorinha só não faz verão, você vai pensando aí em como o folclore faz parte da sua, combinado?

Nasci em berço cheio de retalhos, crendices, superstições, sincretismos e demais manifestações. Minha mãe é preta, meu avô é descendente de índio e minha avó é preta também. Meu pai é descendente de portugueses... Resultado: carrego em mim a genuína miscigenação, apresentando traços físicos peculiares - pele branca (mas que em exposição ao sol fica bem morena com facilidade), olhos verdes e amendoados, lábios grossos, cabelos crespos (quando os tinha), nariz afilado com as narinas largas, formato ovalado do rosto. Sou um legítimo brasileiro e carrego em mim referências de várias culturas. Adoro!!!

Nasci no interior de São Paulo, Taubaté, terra de Monteiro Lobato responsável por espalhar nosso folclore para o mundo ao incluir em sua literatura infantil os personagens Saci e Cuca, além de outros.

Lembro-me de morar sempre em locais com muita vegetação, ervas medicinais, plantas de todos os tipos. Minha mãe dizia: Quem planta, colhe! E como ela adorava ter árvores frutíferas no quintal de casa pra fazer doce com casca, ela plantou e colheu: pé de figo, pé de laranja, limoeiro; pra fazer garrafadas: pé de boldo, alecrim, arruda, mentruz, hortelã; horta caseira: pé-de-feijão, tomateiro, tomateiro-cereja; e pra trazer bons agouros para casa: muita samambaia na entrada. Na casa da minha avó, lembro-me de um fogão à lenha que deixava a comida mais gostosa, e lembro também da minha mãe contando que tinha que “acordar antes das galinhas” (expressão popular para dizer que uma pessoa acordava antes do sol raiar) para colocar lenha no fogão e preparar o café para o meu avô. Até hoje, vira e mexe, eu procuro um restaurante com fogão à lenha para matar a saudade do sabor da comida, que fica mais apurada e saborosa.

Em nossa casa tínhamos vários objetos e utensílios que figuram no panteão dos usos e costumes do folclore brasileiro – NOSSA, FALEI BONITO, HEIN! Um filtro de barro que mantinha a água sempre fresquinha e com um ligeiro gosto de terra molhada; panelas de ferro (segundo os antigos, era “bão pra saúde” comer comida feita nessa panela); ferro de passar à carvão conhecido como bombacha (que minha mãe dizia que usava, quando jovem, até pra esticar os cabelos grenhos (crespos)); cuias de cabaça; moringas; taquaras (para levantar o varal de arame com as roupas no quintal); gamelas; e um grande pilão feito de madeira, em torno do qual, todos os anos, na época da Páscoa, minha mãe reunia os homens da família para revezarem o braço no amasso do amendoim pré-queimado, com açúcar mascavo e uma pitada de sal, socando o pilão para fazer a paçoca (receita folclórica). Daí, ela distribuía pra quem quisesse e eu, dando uma de João sem braço, menino mirrado e sem força nas muquetas, apenas sentava e comia um tigelão de paçoca com banana... uma “diliça”!


Lembro-me de crescer envolvido por muitas superstições, que vieram dos meus pais, que herdaram dos meus avôs e assim por diante. É dessa forma que o folclore é mantido – herdamos de nossos antepassados. Uma superstição que vivíamos em casa era relacionada às crianças: os recém-nascidos, assim que chegavam em casa, tinham que ficar sete dias no quarto escuro, sem receber visitas, até que caísse o umbigo que, por sua vez, tinha que ficar tampado com uma moeda presa por um esparadrapo para que não ficasse saltado pra fora. Outra prática era colocar um fiapo de cobertor na testa da criança quando ela estivesse com soluço; outra coisa que lembrei agora que minha mãe dizia é que, se uma criança estivesse dormindo com os olhos semi-abertos, isso significava que ela “estava aguada”, ou seja, estava com vontade de comer algo que viu alguém comendo, e então, tentava-se descobrir o que era, para matar a vontade da criança a fim de que ela pudesse voltar a dormir com os olhos fechados.

Meus pais sempre foram adeptos da medicina natural, fazendo remédios caseiros como o chá de bôrdo (boldo), para males estomacais; o chá de romã, para dor de dente; o chá de hortelã, para acalmar as lombrigas; a garrafada feita de álcool com ervas, para alergias e cicatrização de machucados; o creme de gosma de babosa, para passar no couro cabeludo e ajudar a nascer cabelos (esse eu não fiz e fiquei careca); a gemada feita com ovo de pata, para dar sustância. Enfim, várias receitas caseiras que antes eu não entendia direito, mas, depois de ter estudado a medicina natural e me formado Terapeuta Naturopata, pude constatar por meio de artigos científicos a eficácia desses costumes antes vistos apenas como práticas primitivas.

Na escola, quantas vezes brinquei de Lingua do Pê! Você conhece? Pêvo pêcê pêco pênhe pêce? Na rua, - porque antes, na minha cidade, a gente conseguia brincar na rua - eu brincava de pega-pega, esconde-esconde, pula-mula, elástico, queimada, passa-anel, bolinha de gude, pião! Vixe, eram tantas brincadeiras!

Quantas vezes deixei de passar por baixo de uma escada por medo do azar? Quantos espelhos já quebrei e depois fiquei morrendo de medo de ter sete anos de azar? E os coitados dos gatos pretos que não podíamos ver em noite de sexta-feira treze? Por várias vezes tive verruga no dedo por apontar uma estrela no céu. E você, já viu uma estrela cadente e fez um pedido? Traz sorte e realização. Já sentiu uma baita coceira na palma da mão esquerda? Significa que vai ganhar dindim. Já achou um trevo de quatro folhas? É sorte pra dar e vender. Enfim, são crendices que uns falam que é verdade e outros falam que não – mas não há como provar nem uma coisa, nem outra. Crê quem quer, quem não quer, que pague pra ver.

Todas estas coisas parecem bobas mas, pelo sim, pelo não, fazíamos sem usar a razão, sem questionar, e davam certo. A sabedoria popular, juntamente com a sabedoria científica e racional, são pilares de todas as culturas e sociedades.

Quantas noites eu não queria ir pra cama e minha mãe cantava uma cantiga de ninar pra eu dormir logo...

Dorme, neném,

Que a Cuca vem pegar

Mamãe foi pra roça

E papai foi trabalhar.

Claro, que o mundo dá muitas voltas” e, à medida que fui crescendo, fui ressignificando muitas crendices, me desfazendo de superstições, superando muitos medos, mas o menino curioso do interior permanece aqui e me faz ser o artista que sou hoje.

Por fim, revisitando minhas memórias, concluo que há muito mais folclore em mim do que julga a minha vã sabedoria. É muito comum acharmos que o folclore está fora de nós, à parte de nossas vidas, morando lá no passado. Não! O folclore é parte integrante do meu todo – é minha identidade, é a identidade do meu povo. E tenho dito!

E você? Que usos, costumes e crendices carrega no seu dia a dia? Aproveita pra refletir agora, porque depois não adianta chorar pelo leite derramado.

Este foi mais um Slime

Que entrou por um lado

E saiu pelo outro

E quem quiser

Que escreva outro.


Jon Faria é ator, arte-educador, ilustrador, apresentador e ator de voz (voz original, locução, narração e dublagem).