Fundação Padre Anchieta

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Reprodução/Twitter
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O Luiz viveu sua vida toda na Grota do Surucucu. Quando ouvi essa história, pensei: “que garoto valente, porque tem que ter muita coragem para crescer numa caverna cheia de cobras venenosas! E muita sorte pra não ser picado”. Aí eu fui pesquisar e descobri que essa história de surucucu era antigamente, quando a região parecia uma gruta, não tinha nem gente, nem construção e nem luz elétrica - ah, mas tinha surucucu. Porém, quando o Luiz nasceu, o lugar já era uma comunidade com muitas casinhas e as peçonhentas eram só lembranças dos moradores mais antigos.

Segundo filho de uma família de seis irmãos, aos seis anos, o Luiz foi enfeitiçado pela música, que nem aquela cobra dos desenhos animados que sai encantada de dentro do balaio ao som de uma flauta. É que lá na antiga gruta das cobras, ele conheceu um projeto que propunha ensinar música pra molecada da região: a Orquestra de Cordas da Grota.

Eram muitos instrumentos para escolher e lá foi ele aprender cavaquinho. O bom é que esse é um instrumento pequeno e, como o Luiz também era pequeno, ficava fácil estudar. Mas o Luiz sonhava gigante, por isso, com o tempo, abraçou o violoncelo, um instrumento enorme, bem maior do que o cavaquinho e nada fácil de carregar. Mas, fazer o quê? O amor bateu mais forte.

O tempo passou, o Luiz cresceu e virou um grande profissional. Aos 23 anos, já aguentava bem o peso do violoncelo e dominava muito bem a arte de encantar com aquelas cordas fortes. Era sua paixão, e com o tempo, aquela rabeca gigante virou seu instrumento de trabalho.

Tudo ia muito bem, até quarta-feira passada, dia 2 de setembro. Era fim da tarde e, depois de uma apresentação, o Luiz e mais dois músicos resolveram passar numa padaria antes de voltar pra casa. Na saída, foram abordados por alguns policiais que acharam os três suspeitos. Três músicos, carregando seus instrumentos, voltando do trabalho. Agora, se prepara que a história vai dar uma reviravolta…

Os policiais disseram que precisavam investigar justamente o Luiz, rapaz preto e, por isso, ele foi levado até a delegacia. Lá, disseram que ele tinha uma acusação por ter roubado um celular em determinado lugar, em determinada hora e em determinado dia de 2017.

O Luiz explicou que nessa determinada data, horário e local, ele estava trabalhando - tocando seu violoncelo - e que tinha provas. Mas, até que tudo fosse resolvido, prenderam o Luiz.

A sorte do nosso herói mudou de repente. Ele nasceu com um talento incrível, teve ajuda da família, dos amigos e conseguiu chegar onde poucas pessoas conseguem. Em 25 anos de existência, nenhum membro da Orquestra da Grota teve sequer uma passagem criminal. Mas uma confusão deixou o Luiz em uma cadeia com mais 80 presos amontoados.

Por que isso aconteceu? Talvez um dos motivos esteja nas tristes palavras do atual presidente da Orquestra de Cordas da Grota, Paulo de Tarso: "a cadeia é um navio negreiro, que não aprisiona pessoas brancas, só meninos como ele [negros]”.

O Slime começou feliz, no meio ficou triste, mas traz agora uma boa notícia: ontem, domingo, o Luiz foi solto. Claro que, para isso acontecer, teve protesto musical na porta da delegacia, hashtag nas redes sociais e muito movimento de gente que nem conhecia o músico, mas ficou revoltada com a situação. Foram cinco dias para reparar uma injustiça e a caminhada ainda é bem longa.

O Luiz consegue usar o arco do violoncelo como arma de defesa, mas e os outros meninos que nascem espalhados nesse país e não têm a sorte de encontrar uma Orquestra da Grota para melhorar a trilha sonora da vida deles? A arte ajuda muito, assim como o esporte e as atividades que ONGs, projetos e voluntários se propõem a fazer nas comunidades.

O que você pode fazer? Muita coisa! Ter se informado sobre esse caso já é um primeiro passo. Pode ter certeza que não cabe na história atual mais nenhum navio negreiro. Por isso, deixe o tempo amadurecer suas ideias e continue atento a essas desigualdades. De preferência, ouvindo um violoncelo de vez em quando. Que o Luiz te inspire também a mudar o mundo!

Helena Ritto é atriz, contadora de histórias, arteeducadora, apresentadora, atriz de voz e escritora.