Coluna Vladir Lemos

Absolvição e castigo

O fato é a jogadora de vôlei, Carol Solberg, ter soltado um já famoso " Fora Bolsonaro" em entrevista. O enredo a partir daí foi trivial


18/10/2020 10h30

O que vai aqui não tem a alma de um artigo. De crônica, talvez. O assunto frequentou as páginas de jornais e de portais nos últimos vinte e poucos dias. Mas duvido que o povão, essa entidade abstrata muito citada no meu tempo de moleque para se defender um ponto de vista, teve algum interesse nele. E se teve, deve ter sido mais por picuinha, para marcar posição, do que propriamente como reflexo de algo que importava. Interessante notar que não se fala mais nesse tal povão. O tempo fez questão de dividi-lo. E é justamente essa divisão que fez o tema virar o que virou. Sem contar, é claro, o faro apuradíssimo do Superior Tribunal de Justiça Esportiva, para questões que o coloquem sob os holofotes. Sem elas, desfruta de um ostracismo quase absoluto.

O fato é a jogadora de voleibol, Carol Solberg, ter soltado um já famoso " Fora Bolsonaro" ao final de uma entrevista. A atleta tinha acabado de conquistar o terceiro lugar em uma das etapas do circuito brasileiro. O enredo a partir daí foi trivial. A fala se fazendo viral nas redes sociais, os defensores do presidente - sempre tão digitais - proferindo ameaças. E o STJD dias depois a denunciando em dois artigos. O primeiro por deixar de cumprir ou dificultar o cumprimento do regulamento. E o segundo por assumir conduta contrária à disciplina e à ética desportiva não tipificada pelas demais regras do código. Notem a dificuldade para enquadrar a moça. Foi preciso buscar um artigo que dissesse respeito e algo que não estava previsto. Minha primeira reação foi similar a que teve a campeã, Ana Mozer. Tudo isso por um fora Bolsonaro? Jura?, escreveu a jogadora de vôlei campeã mundial no Twitter. A partir dali não tirei mais o assunto do horizonte.

Mas a minha análise não estava sobre o ocorrido, estava na reação das pessoas e entidades que se pronunciaram a respeito dele. Desde a Confederação, cuja postura desde o início deixou transparecer outras preocupações, passando pela Comissão de Atletas de Praia, afirmando não ser favorável a nenhuma manifestação de cunho político em competições esportivas. Sem, talvez, notar o quanto uma posição dessa pode lhe impor limites. No Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil que se colocou à disposição para defender a atleta do que considerou uma violência. No julgamento sendo adiado em virtude do pedido da Associação Brasileira de Imprensa e do Movimento Nacional de Direitos Humanos terem pedido para tomar parte no processo, o que foi indeferido.

E vi, com alegria, Radamés Lattari, CEO da Confederação dizer com todas as letras que não gostaria de ver Carol Solberg punida. E que nenhum dos cinco patrocinadores da Confederação tinham reclamado do ocorrido, inclusive o Banco do Brasil que, ao contrário do que foi dito, não patrocina a atleta. Um dos últimos lances teve o Ministério Público do Rio entrando em cena e pedindo à CBV e ao STJD explicações sobre a denuncia. Escrevi tudo isso antes de sair a sentença, que eu sabia teria muito de nós, do nosso momento. Não errei. Carol foi advertida, avisada que provocar uma nova situação semelhante a colocará na condição de reincidente com as implicações previstas. Nada de multa ou suspensão. Enfim, um lamentável e singular caso em que a absolvição foi ao mesmo tempo castigo.

Vladir Lemos é jornalista, apresentador Revista do Esporte e diretor de Esporte da TV Cultura.

ÚLTIMAS DO FUTEBOL

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

Secretaria de Saúde de SP dá dicas para evitar intoxicação infantil durante as férias

EUA receberam informações de plano iraniano para assassinar Donald Trump; Irã nega

Aeroporto de Porto Alegre será reaberto em outubro, diz ministro

Militares custam 16 vezes mais à União do que aposentados do INSS, revela TCU

Concurso TSE Unificado: calendário das provas é alterado; veja mudanças