Era uma vez o Itaquerão?
Colocar um nome na ponta da língua do torcedor, pelo que a história mostra, não é exatamente uma questão de negociação
07/09/2020 11h00
Se você gosta de futebol e nunca leu algo escrito por Mário Filho a respeito do jogo de bola não tem ideia do que está perdendo. Sou suspeito para falar pois chego a gostar mais dele do que do irmão, Nelson Rodrigues. Não me entendam mal. Tenho Nelson em altíssima conta. Mas tomarei a liberdade até de brincar um pouco com o tema. Vira e mexe alguém lembra que Nelson não enxergava bem. Pois Mário enxergava muito. Cada mínimo movimento. O que pode ser facilmente percebido com a leitura de um texto escrito por ele sobre Telê Santana. Linhas em que Mário o define como sendo o ponteiro dos segundos, jamais o das horas. Isso em virtude do jeito de Telê se movimentar em campo, de estar em todo canto do gramado. Sem nem sempre ser percebido. Portanto, não poderia haver injustiça maior do que subtrair do estádio mais importante do nosso país o nome dele. Subtrair é figura de linguagem, seu nome está lá estampado em letras enormes. Mas só os mal arrazoados podem crer que se trata de tema sobre o qual alguém deva ou possa legislar. O Mário Filho é o Maracanã, e ponto.
Essa questão do nome sempre foi um fantasma que rondou o novo estádio corintiano. O que se fez ainda maior pelo fato de o atual presidente do clube ter se mostrado desde sempre incomodado com a alcunha: Itaquerão. Eis que dias atrás, enfim, o Corinthians anunciou quem dará nome ao tal. Um patrocinador, óbvio. Poderia ser o fim de uma novela mas tem tudo pra ser o início de uma nova temporada dela. Isso porque talvez não seja tarefa fácil convencer os interessados por futebol desse nome de batismo. A coisa se arrastou por mais de meia década, o que certamente serviu para sedimentar na cabeça dos torcedores o apelido. Os desgostosos com esse nome, Itaquerão, que se preparem para a possibilidade. Nesse sentido sempre considerei uma ótima sacada do Palmeiras a escolha do nome Allianz Parque, o que de certa forma o ligou ao antigo estádio alviverde. Ainda que o nome oficial do Parque Antártica fosse Estádio Palestra Itália. Sem contar que houve na época uma votação para a escolha do nome. O que, querendo ou não, sempre provoca algum envolvimento do interessados.
Quantas vezes aquele seu amigo torcedor do São Paulo lhe disse que iria ver um jogo no Cícero Pompeu de Toledo? Ele diz que vai é no Morumbi e acabou. Mesmo que os rivais gostem de lembrar que o estádio fica na verdade é no Jardim Leonor. Trago comigo a convicção de que o grande Mário Filho, conhecendo o futebol como conhecia, jamais se sentiria desrespeitado ao ver, ouvir, seu nome substituído por Maracanã. Saberia que é do jogo. Fazer com que um estádio passe a ser chamado assim ou assado pode ser uma questão de negociação, quando se trata de veículos de comunicação. Mas colocar um nome na ponta da língua do torcedor, pelo que a história mostra, não é exatamente uma questão de negociação. Muito menos de imposição.
Vladir Lemos é jornalista, apresentador Revista do Esporte e diretor de Esporte da TV Cultura.
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