Apesar do tom moderado das primeiras declarações, já há sinais de que o grupo retomará a linha dura islamista no Afeganistão. À DW, ativista que passou parte da infância sob o regime talibã diz temer por seu povo.Zakira Hekmat é a fundadora da Afghan Refugees Solidarity Association (Arsa), que toma conta sobretudo de mulheres que escaparam do Afeganistão. Ela própria abandonou o país 13 anos atrás, vivendo hoje em Kayseri, na Anatólia Central, Turquia.
Pertencente à etnia khazar, ela passou parte da infância sob o regime talibã, que dominou o Afeganistão de 1996 a 2001, e conta, em entrevista à DW, os enormes perigos que a nova tomada de poder pelos fundamentalistas islâmicos representa para seu povo, mas em especial para as mulheres e meninas. E critica a passividade da comunidade internacional.
"Afegãos vão morrer, e o mundo inteiro fica olhando. Eles veem o declínio do país e não fazem nada. Eu gostaria de apelar ao mundo: por favor, não deixem o Afeganistão sozinho!"
DW: Você esperava que a retirada das tropas da Otan do Afeganistão resultaria em tamanho quadro de horror, e que o Talibã conquistaria tão rapidamente o país?
Zakira Hekmat: Tive um verdadeiro colapso nervoso ao ficar sabendo. Ninguém poderia imaginar que os talibãs se apossariam de todo o país tão rápido. Em poucas horas, eles estavam em Cabul. No momento, todo o povo do Afeganistão sofre, mas em especial as mulheres. Eu sigo muitas afegãs nas redes sociais – ativistas, defensoras dos direitos femininos ou jornalistas: todas estão tensas.
Como se sente ao ver o Afeganistão e o seus cidadãos nesta situação?
O povo do Afeganistão perdeu a esperança. Antes, ainda havia resistência pública, havia a esperança de que "nós" podíamos nos contrapor ao Talibã e impedir que ele se alastrasse. Mas agora essa esperança se perdeu completamente. Desde então, não consigo dormir, estamos todas num estado de medo. O povo afegão não merecia isso.
Sobretudo as mulheres do Afeganistão estão sob ameaça de um tremendo retrocesso, agora elas temem pelos seus direitos. Você mesma vivenciou os talibãs: o que significa, para uma menina ou mulher, viver sob esse regime?
Significa a morte. É tudo o que eu posso dizer. A situação é tão ruim, não faz muito tempo que vimos como é quando o Talibã está no poder: as mulheres não podem sair de casa, as adolescentes não podem ir à escola.
No momento já se veem efeitos sobre a vida das mulheres?
Os dias sombrios, que tantas mulheres vivenciaram há mais de 20 anos sob o Talibã, vão voltar. As mulheres vão ser novamente reprimidas. É uma situação muito amedrontadora, sei que muitos tentam fugir a pé.
O que os seus contatos no Afeganistão relatam sobre a situação atual?
Infelizmente, no momento não tenho contato com ninguém, porque, em toda parte onde chegaram, os talibãs atacaram a infraestrutura e cortaram a internet e as ligações telefônicas. Há mais de seis semanas não tenho notícias da minha cidade natal, Ghazni. Embora a minha família viva lá, não consigo falar com ninguém. Também em Cabul, ontem era quase impossível se contactar pelo telefone.
Há 13 anos você deixou o Afeganistão e desde então vive na Turquia. Quais foram, exatamente, seus motivos na época?
Eu consegui acabar secretamente a escola, embora os talibãs tivessem influência. Então fui para Cabul, pois o meu sonho era entrar para a universidade e ser dona da minha própria vida. Assim como tantas garotas. Só que nem todas tiveram essa chance. Mas aí consegui uma bolsa para ir estudar na Turquia, onde cheguei em 2008.
Até 2001 havia um governo talibã no Afeganistão. Depois do estacionamento das tropas dos Estados Unidos e da Otan, o Talibã foi derrubado. Mas mesmo depois havia conflitos. Na minha cidade, Ghazni, principalmente os khazares eram atacados deliberadamente e em massa.
Em uma primeira coletiva de imprensa, os talibãs se mostraram conciliadores e amantes da paz. Você acredita nisso, partindo de extremistas?
Agora o Talibã está falando manso, mas o povo afegão não engole isso. Ninguém teve sequer um sopro de paz sob o regime deles. Nós todos os conhecemos muito bem. Na província de Herat, eles já mataram. Como o povo afegão pode confiar no Talibã? Sei que muitos pensam que estão diante do abismo, sem que ninguém os ajude.
Há quem argumente que cabe à comunidade internacional garantir a paz e estabilidade. O que você tem a dizer a respeito?
Nossa esperança era que, depois da retirada das tropas, o governo central, agora deposto, iria na direção de uma nova política no campo dos direitos das mulheres, das crianças, dos direitos humanos. Nós nos enganamos. Afegãos vão morrer, e o mundo inteiro fica olhando: eles veem o declínio do país e não fazem nada. Eu gostaria de apelar ao mundo: por favor, não deixem o Afeganistão sozinho!
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