Organizações e ativistas vinculam assassinatos de jornalista e indigenista na Amazônia a posições de Bolsonaro favoráveis à exploração da região. Declarações do presidente sobre o caso também são alvos de críticas.A ONU, ativistas ambientais e de direitos humanos, além de diversas organizações não governamentais, expressaram nesta quinta-feira (16/06) indignação com os assassinatos do jornalista britânico Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira e vincularam as mortes a posições do presidente Jair Bolsonaro a favor da exploração comercial da Amazônia.
"Esse ato brutal de violência é chocante e pedimos às autoridades brasileiras para garantir que as investigações do caso sejam imparciais, transparentes e que as famílias das vítimas recebam reparação", disse a porta-voz do Escritório de Direitos Humanos da ONU, Ravina Shamdasani.
O órgão afirmou ainda estar "profundamente entristecido" com os assassinatos. Shamdasani ressaltou que os ataques e ameaças a ativistas e indígenas são persistentes no Brasil e instou, em nota enviada à emissora BBC, o governo brasileiro a protegê-los de "de todas as formas de violência e discriminação, tanto por parte de atores estatais quanto não estatais".
A ONG de direitos humanos Human Rights Watch também pediu medidas "imediatas e enérgicas" para combater "a ilegalidade e as redes criminosas na Amazônia". "É essencial que a investigação clarifique as circunstâncias e a motivação do crime e que todos os responsáveis sejam responsabilizados", acrescentou.
Phillips, de 57 anos, e Pereira, de 41, desapareceram em 5 de junho numa região remota da Amazônia, onde avançaram nos últimos anos a mineração, a pesca e a extração de madeira ilegais, bem como o tráfico de drogas. Dez dias depois, um dos pescadores suspeito de participar do crime confessou os assassinatos e indicou onde estavam os corpos das vítimas. Ainda resta muito a esclarecer sobre o caso, incluindo o motivo, circunstâncias dos homicídios, e se houve mandante e mais envolvidos.
A União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que deu início às buscas pela dupla ainda no mesmo dia em que Phillips e Pereira foram vistos com vida pela última vez e foi essencial nessa operação, classificou o assassinato de Pereira e Phillips de "crime político" e alertou que os dois suspeitos presos pelos assassinatos "fazem parte de um grupo maior".
Críticas a Bolsonaro
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ao lado de outras entidades do setor, lembrou os avanços de atividades ilegais em terras indígenas e o protagonismo do presidente e seus aliados em ataques contra a imprensa e ativistas.
"Diante dessa realidade, o trabalho de campo de Dom Phillips e Bruno Pereira era ainda mais importante, porque garantia, mesmo nas condições mais difíceis, o direito de acesso à informação da população", diz a nota.
A Abraji repudiou as declarações de Bolsonaro sobre o caso. "Lamentavelmente autoridades governamentais sugeriram que as próprias vítimas eram responsáveis pela tragédia."
Em sua primeira declaração sobre o caso, o presidente afirmou que a dupla sabia dos riscos existentes na região e chamou de "aventura não recomendável" o trabalho que as vítimas faziam.
Philips estava na região recolhendo material para um livro que escrevia sobre preservação da Amazônia. Já Pereira, atualmente licenciado, era um dos funcionários mais experientes da Funai que atua na região do Vale do Javari. Ele supervisionou o escritório regional da entidade e a coordenação de grupos indígenas isolados antes de sair de licença.
Bolsonaro também chegou a afirmar que o jornalista britânico "malvisto na região" e disse que ele deveria ter segurança redobrada na "excursão" que fazia.
"Seu comentário, mais uma vez, tenta isentar o Estado brasileiro de qualquer responsabilidade em garantir a segurança do trabalho de jornalistas, indigenistas e ambientalistas no Vale do Javari, e praticamente admite que criminosos assumiram o controle da região", destaca a Abraji.
A Anistia Internacional afirmou que os comentários de Bolsonaro sobre o caso são "cruéis e insensíveis".
Ausência de proteção de floresta
A organização ambientalista Greenpeace expressou choque pelo homicídio. "Esses homens corajosos, apaixonados e determinados foram mortos enquanto realizavam o seu trabalho vital de esclarecer as ameaças diárias que os povos indígenas enfrentam no Brasil ao defender suas terras e direitos", disse o editor-executivo do Greenpeace no Reino Unido, Pat Venditti, em comunicado.
Venditti criticou ainda a falta de proteção das florestas no Brasil, dizendo que "madeireiros, criadores de gado e garimpeiros ilegais sabem que podem operar com quase total impunidade, e a única consequência remanescente é, provavelmente, a sua exposição na imprensa".
O Greenpeace salientou ainda que a perda dos dois profissionais veteranos é o resultado das "ações e omissões de um governo empenhado na economia da destruição". "Somos órfãos de dois grandes defensores da Amazônia e, ao mesmo tempo, reféns do crime organizado que hoje é soberano na região amazônica", afirmou a representação da ONG no Brasil.
Protesto em Bruxelas
Nesta quinta-feira, uma delegação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ao lado de ativistas do movimento Extinction Rebellion, protestou em frente ao prédio do Parlamento Europeu, em Bruxelas, pedindo o esclarecimento completo do crime. O grupo da Apib está na cidade europeia para participar de reuniões com eurodeputados.
A eurodeputada Anna Cavazzini lamentou as mortes de Phillips e Pereira e expressou "profundas condolências" aos familiares e amigos das vítimas. "Esses assassinatos também são consequência da difamação de ativistas de direitos humanos e ambientalistas promovida por Bolsonaro e do desmantelamento das legislações ambiental e de direitos humanos no país", afirmou a alemã que é vice-presidente da delegação do Parlamento Europeu para o Brasil.
cn/lf (AFP, Lusa, ots)
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