Após a vitória nas eleições, premiê japonês tem respaldo político suficiente para revisar Constituição do país − uma ambição de longa data do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, morto a tiros durante a campanha eleitoral.O Partido Liberal Democrático do Japão (LDP) e o primeiro-ministro Fumio Kishida emergiram como os grandes vencedores da eleição de domingo (10/07) para a câmara alta do Parlamento do país. A votação ocorreu à sombra do assassinato do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe na sexta-feira, quando ele participava da campanha eleitoral. O funeral privado de Abe ocorreu nesta terça-feira.
Kishida pretende seguir em frente com sua agenda política, boa parte da qual foi influenciada por seu antecessor e o primeiro-ministro mais longevo do Japão, Shinzo Abe. Para a população, duas questões superam de longe todas as outras em termos de importância: a economia e a segurança nacional.
Maioria garantida de dois terços no Parlamento
O LDP e a legenda aliada Komeito ganharam 76 dos 125 assentos em disputa na câmara alta no último domingo. A coalizão tem agora 146 mandatos na câmara de 248 cadeiras, muito além da maioria.
Os resultados dão à coalizão liderada pelo LDP e a dois partidos da oposição que concordam em revisar a Constituição pacifista do país uma maioria de dois terços na câmara alta. Esse grupo de quatro partidos também tem a maioria de dois terços necessários para propor uma emenda constitucional.
Na segunda-feira, Kishida disse que impulsionará os esforços para realizar um referendo e revisar a Constituição. "Gostaria de encaminhar os esforços que levariam à proposta (de revisão) o mais rápido possível", disse Kishida à Kyodo News em uma entrevista coletiva sobre o desempenho eleitoral do LDP.
Abe queria que Japão virasse "nação normal"
Embora Abe nunca tenha conseguido reunir apoio político suficiente para rever os capítulos da Constituição que limitam especificamente o direito do Japão de operar forças militares, a vitória do partido de Kishida nas urnas lhe dá a maioria necessária em ambas as Casas do Parlamento para instituir a mudança.
"Espero que uma proposta sobre a revisão da Constituição seja apresentada dentro de um ano, com as questões mais simples, como formalizar o direito do Japão de ter forças militares, bastante fácil de introduzir", disse Ito.
Atualmente, o artigo 9º da Constituição afirma que o Japão renuncia à guerra como direito soberano e declara que "forças terrestres, marítimas e aéreas, assim como outros potenciais de guerra, nunca serão mantidos".
O resultado disso é que o Japão tem o que chama de Forças de Autodefesa, embora os ultraconservadores há muito tempo tenham proposto uma emenda possibilitando ao Japão o direito de ter uma força militar.
Abe declarou em várias ocasiões esperar que o Japão pudesse se tornar uma "nação normal", capaz de desempenhar um papel maior no cenário mundial. A eleição de domingo deu a Kishida o respaldo político para fazer exatamente isso.
Economia e segurança são prioritários
A revisão de elementos da Constituição que os conservadores acreditam terem sido impostos a um Japão derrotado pelos vencedores no final da Segunda Guerra Mundial foi uma das maiores ambições políticas de Abe. Ele há muito procurava transformar as Forças de Autodefesa do país em militares de pleno direito. Mas, durante seus mais de sete anos no poder, Abe nunca conseguiu atingir esse objetivo. Imediatamente após sua morte, parece haver uma possibilidade de isso se concretizar.
"Com o resultado das eleições, parece que Kishida está em uma posição muito forte", disse Hiromi Murakami, professora de ciência política da Temple University. "Ele tem uma grande maioria e o apoio de vários dos partidos menores, e não precisa esperar mais três anos por uma eleição."
"Os fundamentos estão encaminhados, mas nunca devemos tomar nada como garantido na política japonesa, como acabamos de testemunhar com a morte de Abe", ressaltou. "Kishida tem planos para impulsionar a economia nacional e resolver os problemas de segurança que o Japão enfrenta, mas Abe foi um defensor muito poderoso e importante de suas políticas e me pergunto se perder esse apoio pode dificultar que ele alcance todos os seus objetivos legislativos", acrescentou Murakami.
Abe dominou o seu partido por mais de uma década e é amplamente assumido que ele detinha grande influência sobre seu sucessor, depois que ele decidiu deixar o cargo no final do segundo mandato como primeiro-ministro, em setembro de 2020.
Preocupação com China e Coreia do Norte
Indiscutivelmente, o problema mais imediato com o qual Kishida precisa lidar é o estado da economia japonesa. O crescimento foi fraco mesmo antes da pandemia, com empresas de setores como turismo e hotelaria precisando de assistência para sobreviverem. Mesmo com a pandemia aparentemente diminuindo, a guerra na Ucrânia causou ainda mais estragos nas empresas.
Kishida tem a tarefa de controlar os preços crescentes das necessidades diárias, incluindo alimentos e combustível, mantendo a inflação dentro dos limites aceitáveis e aumentando os salários. "O problema que ele enfrenta é que, por causa da relutância em aumentar as taxas de juros e potencialmente enfraquecer ainda mais a economia, Kishida realmente só tem a opção de emitir novos títulos e aumentar a dívida nacional", disse Go Ito, professor de política da Universidade Meiji, de Tóquio.
E enquanto ele luta para corrigir a economia do país, Kishida também deve se defrontar com uma situação de segurança cada vez pior nas fronteiras do país. "Li que 80% dos candidatos disseram que, se fossem eleitos, aumentariam os gastos com defesa do Japão, que é um número muito alto", disse Ito. "Nunca vi a segurança desempenhar um papel tão importante na eleição, mas isso é apenas um reflexo do estado do mundo no momento".
"Todas as noites, assistimos às notícias e vemos o que está acontecendo na Ucrânia, e isso assusta as pessoas", disse ele. "Até agora, o Japão gastou cerca de 1% do PIB em defesa, mas a sensação é de que deve subir para 2% – e poucas pessoas estão discordando."
Murakami concorda. "Antes da crise na Ucrânia, as pessoas tinham muito pouca compreensão de como seria uma guerra, mas agora vemos nos noticiários e o que antes era apenas uma vaga preocupação agora é uma ameaça muito séria e imediata", disse ela.
Ao longo da última década, a China vem expandindo gradualmente suas reivindicações territoriais e capacidades militares. Enquanto isso, a Coreia do Norte permanece imprevisível e parece estar aumentando constantemente suas capacidades nucleares e de mísseis de longo alcance. E as forças militares russas também estão se exercitando vigorosamente no Pacífico nos últimos meses, como uma demonstração de força.
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