Com o front estagnado e diante de possível ofensiva de primavera da Rússia, armas até há pouco negadas pelo Ocidente estão agora sendo enviadas para a Ucrânia – ou consideradas para envio.O front da guerra na Ucrânia permanece praticamente inalterado desde 9 de novembro de 2022, quando Moscou anunciou a retirada de tropas da cidade de Kherson, em meio à contraofensiva ucraniana.
A Rússia ocupou boa parte do sul e do leste da Ucrânia desde o início da guerra, em 24 de fevereiro de 2022. Referendos de fachada, não reconhecidos pela comunidade internacional, resultaram na anexação, em 30 de setembro, de quatro províncias (óblasts): Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson.
Mas os militares ucranianos conseguiram recuperar parte do território inicialmente conquistado, em especial a região de Kharkiv, no início de setembro, e a cidade de Kherson, no início de novembro.
Nos últimos dias, os combates se concentraram nas cidades ucranianas de Bakhmut e Soledar. Essas duas cidades da região leste do óblast de Donetsk são atualmente os pontos mais disputados da frente de combate. A Rússia chegou a anunciar a conquista de Soledar, mas a Ucrânia afirmou que ainda controla a pequena cidade.
Nova grande ofensiva russa?
Nas últimas semanas, autoridades da Ucrânia avisaram reiteradamente que a Rússia estaria preparando uma grande ofensiva de primavera. O presidente Volodimir Zelenski afirmou até mesmo não ter dúvidas de que isso vai acontecer.
O general Valerii Zaluzhny, comandante-em-chefe das Forças Armadas ucranianas, declarou que a grande ofensiva russa pode começar já no fim de janeiro. Ele disse não saber precisar se a ofensiva começaria na região do Donbass (leste), no sul, ou ainda no norte, a partir de Belarus e na direção da capital, Kiev.
O Ministério alemão da Defesa também dá como certa uma grande ofensiva da Rússia na Ucrânia, mas apenas em abril, segundo uma análise interna revelada pelo jornal suíço Neue Zürcher Zeitung.
Os analistas do órgão alemão desenham dois cenários: no primeiro, o presidente Vladimir Putin tentaria conquistar toda a região do Donbass. A ofensiva começaria em abril. Em paralelo, Belarus colocaria dezenas de milhares de soldados na fronteira com a Ucrânia. Assim as forças ucranianas teriam que se dividir entre a proteção da fronteira com Belarus e os combates no Donbass.
No segundo cenário, Putin tentaria conquistar toda a Ucrânia com uma guerra de duas frentes, com a ajuda de soldados de Belarus. Estes marchariam sobre Kiev, enquanto os russos atacariam a partir do Donbass. Os soldados russos iriam até a fronteira com a Polônia, para impedir o fornecimento de armas ocidentais, e ocupariam a Transnístria. Esse cenário, porém, exigiria uma mobilização total russa.
Já o chefe do serviço secreto militar ucraniano, Kyrylo Budanov, declarou à emissora americana ABC News que a Ucrânia está planejando uma grande contraofensiva na primavera europeia. Ele afirmou que mais territórios serão libertados, da Crimeia até o Donbass.
Seja pelo temor de uma ofensiva russa, seja para reconquistar o território ocupado, a Ucrânia elevou os pedidos de ajuda militar ao Ocidente, incluindo os lança-mísseis americanos ATACMs, com um alcance de 300 quilômetros, e os tanques pesados alemães do tipo Leopard 2.
Envolvimento cada vez maior
Mas, desde o início da guerra, o Ocidente tem se mostrado reticente em entregar armamento pesado à Ucrânia, alegando receio de ser arrastado para a guerra ou de provocar a Rússia, que é uma potência nuclear. E, de todos os países ocidentais, nenhum é mais reticente do que a Alemanha.
Essa postura do Ocidente mudou significativamente nas últimas semanas. No fim de dezembro, os Estados Unidos anunciaram o envio de uma bateria do sistema de defesa de mísseis Patriot. O governo ucraniano há muito tempo solicitava esse avançado sistema de mísseis terra-ar, com capacidade para atingir aviões, mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos de curto alcance.
No início de janeiro, Alemanha e Estados Unidos prometeram enviar 40 veículos de combate Marder alemães e 50 M-2 Bradley americanos. E a Alemanha prometeu entregar mais uma bateria Patriot, o que antes havia recusado.
A França declarou que enviará um número não especificado de tanques leves de combate AMX-10 RC.
Dias depois, o Reino Unido anunciou a entrega de tanques de guerra Challenger 2, tornando-se assim o primeiro país a fornecer veículos de combate MBT de construção ocidental à Ucrânia.
Por sua vez, a Polônia declarou-se disposta a fornecer 14 tanques de guerra Leopard, mas necessita da aprovação da Alemanha, onde eles são fabricados.
Os Marder e os M-2 Bradleys são veículos de combate de infantaria (IFV, em inglês), utilizados para transporte de soldados e para fogo de apoio. Os AMX-10 RC são veículos blindados de combate (AFV, em inglês), usados para missões de reconhecimento em ambiente perigoso e para fogo de apoio.
Já o Leopard 2 e o Challenger 2 são de uma outra categoria, a dos tanques de batalha principal (em inglês MBT), também conhecidos como tanques de guerra, com armamento e blindagem pesadas. Os Leopard 2 costumam ser usados em combinação com os Marder.
As decisões dos governos britânico e polonês, que parecem ter sido combinadas, elevaram a pressão para que a Alemanha libere o fornecimento por outros países ou forneça, ela mesma, os tanques do tipo Leopard 2, que a Ucrânia tem reiteradamente solicitado.
O ministro ucraniano do Exterior, Dmytro Kuleba, voltou a pedir os tanques durante uma visita a Kharkiv da ministra alemã, Annalena Baerbock.
Mas o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, tem se mostrado reticente e declarou que quer tomar uma decisão ponderada e cuidadosa. Ele argumentou que a maioria da população alemã o apoia nessa posição. Além disso, lembrou que a Alemanha já decidiu enviar os tanques Marder.
A pressão sobre Berlim, porém, só aumenta, tanto na oposição como dentro do governo e também no exterior. O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que a Ucrânia receberá mais armas pesadas dos aliados ocidentais num futuro próximo.
Ele pode estar se referindo ao encontro de países ocidentais que apoiam a Ucrânia na base aérea dos Estados Unidos em Ramstein, Alemanha, em 20 de janeiro, no qual poderá ser decidido um envio conjunto de tanques Leopard 2 para Kiev.
A diferença que os Leopard 2 podem fazer
A Ucrânia já afirmou que pode ganhar a guerra ainda em 2023 se o Ocidente lhe fornecer equipamento militar mais poderoso, incluindo mísseis de longo alcance e tanques de guerra pesados.
Tanques são um elemento central nos combates terrestres. Sem eles, é improvável que a Ucrânia consiga recuperar território ocupado pelos russos. Até aqui, os militares ucranianos usaram sobretudo tanques soviéticos do tipo T-72, alguns deles capturados de soldados russos em fuga. Depois de um ano de guerra, muitos foram destruídos ou estão danificados.
O Leopard 2, fabricado pela indústria armamentista alemã Krauss-Maffei Wegmann, é considerado um dos melhores tanques de guerra ocidentais. Especialistas afirmam que, em número significativo, esses veículos de combate podem elevar substancialmente a capacidade ucraniana de repelir as forças russas.
O Leopard 2 pesa mais de 60 toneladas, tem um canhão de 120 milímetros e pode atingir um alvo a até cinco quilômetros de distância. O motor a diesel é comparativamente econômico e, portanto, mais adequado para a Ucrânia em tempos de escassez do que, por exemplo, os tanques americanos Abrams, que consomem muito mais combustível.
Cerca de 20 países possuem um total superior a 2 mil tanques Leopard 2, o que significa que cada país poderia fornecer uma parte do seu arsenal. Assim, a Ucrânia evitaria receber tanques de tipos diferentes, tornando mais fáceis a manutenção e o treinamento de soldados.
Mas ainda há limites na ajuda
Os tanques de combate Leopard 2, assim como os lança-mísseis americanos ATACMs, podem desempenhar um papel fundamental numa altura em que as forças ucranianas têm conseguido recuperar terreno e resistir aos fortes ataques russos.
Zelenski reiterou o interesse nos lança-mísseis ATACMs durante um encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pouco antes do Natal, mas a negativa de Biden foi categórica.
Os ATACMs, com alcance de 300 quilômetros, poderiam atingir depósitos de armas russos que estão fora da frente de combate e do alcance dos ucranianos, nos territórios ocupados no leste da Ucrânia. Ou mesmo ser usados para atingir solo russo, o que poderia gerar uma escalada no conflito.
Assim, apesar de ter elevado a ajuda militar nas últimas semanas, o Ocidente indica, por meio da negativa de Biden, que continuam existindo limites para a colaboração militar com a Ucrânia.
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