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Ilan Goldfajn é o primeiro brasileiro a presidir o BID. O economista foi diretor para o hemisfério ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI) e presidente do Banco CentralEm entrevista à DW, presidente do BID destaca peso da região no combate ao aquecimento global e avalia que momento atual pode impulsionar o desenvolvimento regional.Estigmatizada por períodos de baixo crescimento econômico, instabilidade política e inflação alta, a América Latina pode entrar agora em um ponto de inflexão e maior impacto no mundo. A janela de oportunidade é vista pelo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ilan Goldfajn.

"Ao ter impacto maior no mundo, podendo ser parte da solução dos problemas globais, você gera em vez de décadas perdidas, décadas encontradas. A região se reencontra no mundo, gerando os recursos que ela precisa para poder atender estas demandas sociais cada vez mais intensas e necessárias", afirma Goldfajn, o primeiro brasileiro a presidir o BID.

Em entrevista à DW, o ex-presidente do Banco Central e ex-diretor para o hemisfério ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI) também alerta sobre a necessidade de os bancos multilaterais se reinventarem para atender às novas urgências do aquecimento global, insegurança alimentar e desmatamento.

DW: Depois de períodos de crescimento econômico fraco, quais são os fatores que podem transformar a sorte da América Latina?

Ilan Goldfajn: A região tem todas as condições iniciais de fornecer alguns bens globais públicos. A proporção de energia limpa já é hoje o topo da média mundial. Em alguns lugares da América Central já é quase 100% de energia limpa. No Brasil é 50%. O mundo está em 18%. Então, há todas as condições de fazer essa transição energética com projetos de eólica, hídrico, solar, hidrogênio verde. A Europa e o mundo precisam dessa energia limpa.

Quanto às commodities?

Se você olhar minerais, temos aqui o lítio, fundamental para a frota elétrica. É como se você tivesse as condições iniciais para ter um boom de investimentos que faça a diferença para frente. Agora, precisa gerar as condições, ter infraestrutura, estabilidade econômica, regras, planejamento do governo e instituições.

O segundo bem público é a segurança alimentar do mundo, em que 40% do comércio global de alimento vem da América Latina. Então, já está sendo uma região que alimenta boa parte da população mundial. O último ponto é a biodiversidade, preservar a natureza, a Amazônia. Estes três bens públicos globais são coisas que importam para o mundo e temos aqui. Se vamos conseguir aproveitar ou não, é uma questão. Mas que temos um ponto de inflexão agora, a gente tem.

Esse ponto de inflexão afastaria a região das chamadas décadas perdidas do passado?

No final das contas, o que se quer é que essa oportunidade seja utilizada de tal forma que consiga gerar crescimento da produtividade e, por tanto, um crescimento per capita e que possa ser inclusivo. Ou seja, gerar as condições para fornecer o desenvolvimento que é tão necessário. Isso aumenta a produtividade e tem maior facilidade para oferecer os serviços básicos para a população.

Você fala em maiores crescimentos e impacto no mundo?

As duas coisas andam juntas. Você conseguindo ter impacto maior no mundo, podendo ser parte da solução dos problemas globais, você gera em vez de décadas perdidas, décadas encontradas. A região se reencontra no mundo, gerando os recursos que ela precisa para poder atender estas demandas sociais cada vez mais intensas e necessárias.

De certa forma, a América Latina e Caribe parecem ter tido papel secundário nas análises gerais e exposições mundiais no passado recente ...

Estamos em um momento muito delicado do aquecimento global. Então é um momento de investimento muito pesado para evitar isso. E, portanto, pode-se gerar inflação econômica naqueles países que podem contribuir mais para a mudança da matriz energética. Países de renda baixa podem ajudar. Mas se não houver países de renda média e grande envolvidos e mudando, o problema global não será resolvido. Sem uma Índia, a China, o Brasil, uma Argentina. O meu papel aqui, o nosso, é acordar e dizer "você tem um papel aqui na sua frente, não vamos perder mais essa década".

De que forma o BID pode ajudar a superar problemas sociais?

É uma instituição da América Latina e Caribe há 64 anos voltada ao desenvolvimento da região, obviamente o crescimento, mas principalmente o núcleo é o social: pobreza, desigualdade, energia, saúde para todos, educação, transporte. E agora o mundo precisa mudar a matriz. Esse é o novo desafio que foi criado. E é também a ligação da América Latina com o resto do mundo.

Os projetos do BID estão sendo eficazes? Há foco nos resultados?

Tem muito projeto bem-feito, que não se faria sem o BID. Mas eu acho que chegou o momento de dar uma ênfase maior no impacto, nos projetos que fazem a diferença. Em vez de olhar a quantidade de dólares emprestado, olhar para um número determinado de alunos que estamos trazendo para as escolas, para uma solução para eliminar a malária na América Central, para trazer água potável para milhões de pessoas, para inclusão de grupos vulneráveis dentro da população economicamente ativa. Precisamos estar preocupados com isso nessa mudança de ênfase. Porque hoje se comemora que emprestou tantos bilhões. Isso não basta. É uma proxy boa, mas não o suficiente.

Bancos multilaterais podem ajudar a aliviar o endividamento elevado de países emergentes atualmente?

Acho que o BID pode usar o seu papel de banco de conhecimento para poder ajudar os países a lidar com as dívidas. Ele não vai ajudar dando empréstimo para pagar outro, a dívida continua. O que pode é gerar capacidade institucional nos países para poder ter um manejo da dívida da melhor forma possível. Primeiro com nosso conhecimento e segundo usando alguns instrumentos, nossa garantia.

Que mudanças você defende na atuação dos bancos multilaterais no mundo?

Os bancos têm cumprido seu papel, mas as necessidades são tamanhas, e os bancos têm de se reinventar e se reformular. Acho que estavam apropriados para um mundo anterior. Mas nesse mundo novo estamos à beira do aquecimento global, insegurança alimentar, problemas de desmatamento e biodiversidade. As demandas sociais dos países estão cada vez mais à flor da pele.

Amazônia é uma questão chave global. O que o BID pode fazer pela região?

Um dos projetos chave do BID regionais é o Amazonia Sempre, um projeto guarda-chuva que envolve todos os projetos independentes e separados. Cada país tem o seu projeto. O BID tem iniciativas e fundos para ajudar a Amazônia. Avaliei que estamos em novo momento, uma nova oportunidade na Amazônia. E o que surgiu foi um novo momento político na região, junto com um novo momento político fora. Há vontade de ajudar.

Isso tudo nos levou a juntar os oito países amazônicos [Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela]. Temos mandato, uma carta de intenção para trabalhar um programa holístico com quatro grandes temas: monitoramento, cuidar das pessoas, economia alternativa e finalmente, reconhecer algo que o resto do mundo não reconhece muito.

Infraestrutura na Amazônia?

A Amazonia tem cidades, tem rodovias, saneamento, infraestrutura. Alguém tem de financiar e cuidar disso. São estes eixos e trazemos conosco os países. A Alemanha está com a gente, a França, a União Europeia. Juntamos os dois lados para conversar e temos objetivos muito claros de ter plataforma conjunta e trabalhar projetos muito específicos com os governos locais. Tem sido uma bandeira nossa.