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 "O direito de defesa transformou-se no direito de vingança", disse Lula sobre guerra em Gaz

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou seu discurso de abertura da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, nesta terça-feira (24), para criticar "plataformas digitais que se julgam acima da lei", em aparente alfinetada à rede X, do empresário Elon Musk, que está banida do Brasil por decisão da Justiça.

Lula ainda abordou a guerra em Gaza e criticou a conduta israelense na região, afirmando que as ações militares do país se tornaram uma "punição coletiva de todo o povo palestino".

"O futuro de nossa região passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação. Que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei”, disse Lula.

“A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras. Elementos essenciais da soberania incluem o direito de legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital", disse Lula, sem mencionar Musk diretamente.



Situação do Oriente Médio e críticas a Israel

Lula ainda abordou o conflito no Oriente Médio, incluindo a guerra entre o Hamas e Israel em Gaza e as recentes ações militares israelenses no Líbano, que nos últimos dias provocaram centenas de mortes.

"Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente, e que agora se expande perigosamente para o Líbano. O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino", disse Lula

"São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo".

Na sequência, Lula ainda citou outras guerras que recebem menos atenção. "Conflitos esquecidos no Sudão e no Iêmen impõem sofrimento atroz a quase trinta milhões de pessoas. Este ano, o número dos que necessitam de ajuda humanitária no mundo chegará a 300 milhões", disse.



Conflito na Ucrânia e oferta de mediação

Lula também abordou a guerra de agressão que a Rússia trava contra a Ucrânia, que já se estende há mais de dois anos e reiterou uma proposta de convocação de "uma conferência internacional de paz", que o Brasil e a China apresentaram em maio,

“Na Ucrânia, é com pesar que vemos a guerra se estender sem perspectiva de paz. O Brasil condenou de maneira firme a invasão do território ucraniano. Já está claro que nenhuma das partes conseguirá atingir todos os seus objetivos pela via militar. O recurso a armamentos cada vez mais destrutivos traz à memória os tempos mais sombrios do confronto estéril da Guerra Fria.

"Criar condições para a retomada do diálogo direto entre as partes é crucial neste momento. “Essa é a mensagem do entendimento de seis pontos que China e Brasil oferecem para que se instale um processo de diálogo e o fim das hostilidades. Essa é a mensagem do entendimento de seis pontos que China e Brasil oferecem para que se instale um processo de diálogo e o fim das hostilidades", disse Lula.

Em maio, a China e o Brasil afirmaram apoiar "uma conferência internacional de paz organizada numa altura apropriada, reconhecida pela Rússia e pela Ucrânia, com a participação igual de todas as partes e uma discussão justa de todos os planos de paz". No entanto, presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, criticou a proposta no último fim de semana, afirmando que não se trata de um "plano concreto".



Mudanças climáticas e queimadas

O presidente ainda mencionou as mudanças climáticas e admitiu que o Brasil atravessa um momento delicado.

O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega. O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global. 2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna", disse Lula.

Na sequência, Lula mencionou a situação do Brasil e admitiu que é "preciso fazer mais".

"No sul do Brasil tivemos a maior enchente desde 1941. A Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos. Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto. O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais", disse Lula, num momento em que o governo federal é pressionado por graves incêndios em diferentes biomas do país.



Reforma da ONU

Na reta final do discurso, Lula ainda voltou a um tema habitual da diplomacia brasileira: a cobrança por reforma de organismos internacionais, especialmente o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que também é defendida por países como Alemanha e Japão.

"Prestes a completar 80 anos, a Carta das Nações Unidas nunca passou por uma reforma abrangente. Apenas quatro emendas foram aprovadas, todas elas entre 1965 e 1973. A versão atual da Carta não trata de alguns dos desafios mais prementes da humanidade. Na fundação da ONU, éramos 51 países. Hoje somos 193. Várias nações, principalmente no continente africano, estavam sob domínio colonial e não tiveram voz sobre seus objetivos e funcionamento", disse Lula.

Na sequência, o presidente elencou propostas de reforma da ONU, que incluíram: "revitalização do papel da Assembleia Geral, inclusive em temas de paz e segurança internacionais; fortalecimento da Comissão de Consolidação da Paz; reforma do Conselho de Segurança, com foco em sua composição, métodos de trabalho e direito de veto, de modo a torná-lo mais eficaz e representativo das realidades contemporâneas".

"A exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial", disse Lula. "Não podemos esperar por outra tragédia mundial, como a Segunda Grande Guerra, para só então construir sobre os seus escombros uma nova governança global."



Em NY, Lula disse que "Assembleia Geral perdeu sua vitalidade"

Lula chegou a Nova York, sede das Nações Unidas, no domingo. Em um primeiro discurso, durante a Cúpula do Futuro, Lula avaliou que a "Assembleia Geral perdeu sua vitalidade" e que instâncias multilaterais mostraram limitações para solucionar crises mundiais.

"A pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima escancaram as limitações das instâncias multilaterais. A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir as suas decisões. A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o conselho econômico e social foi esvaziado”, disse Lula ao discursar na Cúpula do Futuro, um evento que reuniu líderes mundiais para debater formas de enfrentar as crises de segurança e acelerar o cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

No ano passado, o Brasil não conseguiu aprovar uma Resolução no Conselho de Segurança da ONU sobre o conflito envolvendo Israel e o grupo Hamas, que controla a Faixa de Gaza. Na ocasião, o voto dos Estados Unidos – um membro permanente – inviabilizou a aprovação, mesmo após longa negociação da diplomacia brasileira. Outras resoluções apresentadas também fracassaram, seja por votos contrários dos Estados Unidos, seja da Rússia, outro membro permanente do colegiado.

Ainda em Nova York, na segunda-feira, Lula teve encontros bilaterais encontros com o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e com o primeiro-ministro do Haiti, Garry Conille.



Discurso em 2023 também focou em cobrança de reforma de organismos internacionais

No ano passado, o discurso de Lula na Assembleia Geral da ONU foi usado pelo presidente para reforçar que o Brasil havia abandonado o isolacionismo que caracterizou os quatro anos do governo Jair Bolsonaro e estava se reencontrando com o multilateralismo.

Na ocasião, Lula também voltou a pleitear antigas demandas da diplomacia brasileira, como a reforma de organismos internacionais em especial o Conselho de Segurança da ONU – e um papel mais ativo das nações mais ricas no combate às mudanças climáticas e desigualdade.

"Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta", disse Lula em 2023, citando um bordão que passou a ser usado por ele com frequência em encontros e cúpulas internacionais nos seus primeiros meses de volta à Presidência. "O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, nossa região, o mundo e o multilateralismo. Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais.”

Em 2023, o discurso na Assembleia Geral também marcou o retorno de Lula ao palco da ONU após um hiato de 14 anos. Até 2023, a última participação do político brasileiro no encontro havia ocorrido em 2009.