O presidente brasileiro falou bem no salão plenário da ONU. No entanto fica a questão: por que não põe suas ideias em prática no próprio país? Agora as expectativas para a cúpula do G20 são bem modestas.O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a Assembleia Geral das Nações Unidas nesta terça-feira (24/09) com apelos incisivos. Como esperado, exigiu mais engajamento dos países industrializados ricos no combate à mudança climática e à fome no mundo. Além disso, instou a uma reforma abrangente da ONU, com a África e a América Latina finalmente representadas no Conselho de Segurança permanente.
Tudo isso já era de se esperar. As reivindicações de Lula são compreensíveis e lógicas, mas são quase lugares-comuns que não se sustentam perante a realidade. Assim, o presidente do Brasil expôs uma série de contradições entre suas exigências e as próprias ações.
Enquanto ele conclama o mundo, sobretudo os países ricos, a finalmente agir contra a mudança climática e a transferir os bilhões necessários a esse fim, o Brasil está pegando fogo por toda parte, sem que Lula tenha, ao que tudo indica, um plano para dar fim à tragédia ecológica no próprio país.
Como ele mesmo admitiu em seu discurso, só em agosto foram devastados no Brasil mais de 5 milhões de hectares de florestas – o que não desperta, necessariamente grande confiança na capacidade de seu governo. E sua crítica à lentidão em abandonar os combustíveis fósseis soa estranha, diante de seus bilionários planos de investimento em petróleo e gás.
Lula criticou também as sanções dos Estados Unidos contra Cuba, e os conflitos, tanto na Ucrânia e no Oriente Médio, como no Sudão e Haiti. E aí cabe perguntar por que o Brasil, que já liderou a missão de paz da ONU no Haiti, não volta a atuar nesse país.
Quanto ao elefante na sala, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, esse o líder petista não mencionou com uma palavra sequer. E, no entanto, todos os presentes bem sabiam que sua excursão diplomática no palco mundial acabou fracassando por causa do ex-motorista de ônibus Maduro.
E quando o brasileiro condena a fome no mundo e as expulsões provocadas pelas guerras e crises, cabe perguntar por que não encontra palavras drásticas contra os ditadores Maduro e Vladimir Putin, que, com suas ações irresponsáveis, agravam ainda mais essas mesmas crises.
Ele acusou ainda a Organização das Nações Unidas de até agora nunca ter sido encabeçada por uma mulher. Sempre cai bem reivindicar chances iguais e representação para as mulheres. Mas aí se pergunta por que elas desempenham um papel tão subordinado no gabinete do próprio Lula, que também preferiu nomear "homens brancos velhos" para o Supremo Tribunal.
Presidência histórica do G20: um mero sonho?
Também em outros aspectos a viagem de Lula a Nova York teve pouco êxito. No domingo ele participou da assim chamada Cúpula do Futuro, em que pronunciou uma versão abreviado do discurso programado para a terça-feira. Apenas poucos chefes de Estado compareceram. O fato de, ainda por cima, ele ter tido seu microfone desligado – possivelmente por ter extrapolado o tempo designado – conferiu um toque ainda mais infeliz ao evento.
Na segunda-feira ele cancelou na última hora sua participação num evento do ex-presidente americano Bill Clinton. Antes, o petista se aborrecera por causa de uma escaramuça com a equipe de segurança de seu homólogo Joe Biden.
Na terça-feira, a desafortunada participação de Lula em Nova York foi coroada com a iniciativa, lançada por ele, contra a extrema direita global. Apesar de convidados, nem Biden, nem o chanceler federal da Alemanha,Olaf Scholz, deram o ar de sua graça. O francês Emmanuel Macron chegou atrasado.
Comentando a iniciativa, o chefe de Estado do Chile, Gabriel Boric, frisou que não se pode julgar as violações dos direitos humanos segundo seu posicionamento político: " Seja Netanyahu em Israel ou Maduro na Venezuela, Ortega na Nicarágua ou Putin na Rússia. Quer se autodefinam de esquerda ou direita, o que sejam. Nós, progressistas, precisamos ser capazes de defender princípios." Isso soou como uma bofetada verbal em Lula, que em Nova York se eximira de criticar tanto Maduro quanto o russo Vladimir Putin ou o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega.
Na verdade, a intenção do presidente brasileiro em Nova York era ganhar impulso para a cúpula do G20 de novembro, no Rio de Janeiro. Mas o mundo está ocupado com a eleição presidencial dos EUA, a escalada de violência no Oriente Médio e o conflito na Ucrânia. E – com a catástrofe ambiental em casa e o naufrágio diplomático de sua missão para a Venezuela – no momento Lula está fora de campo. Seu sonho de uma presidência do G20 de importância histórica em 2024 deverá permanecer mesmo só um sonho.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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