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Morro do Pai Inácio, Chapada Diamantina: natureza paradisíaca até quando?

Empresas internacionais de mineração estão de olho na região rica em ferro e ouro. Comunidades locais contam com um importante aliado. Mas será que vai bastar? Muitos brasileiros conhecem a Chapada Diamantina como um paraíso natural. Centenas de milhares de turistas já visitaram suas espetaculares cachoeiras, tiraram selfies, passearam pelo Parque Nacional e conheceram localidades pitorescas como Igatu ou Lençóis.

Quem já esteve na Chapada Diamantina é maravilhado por ela. Lá parece ser um lugar onde se pode respirar livremente, um Brasil sem estresse, destruição ambiental, ou os – de resto, onipresentes – montes de lixo.

O que poucos sabem é que, enquanto o nordeste da Chapada mantém sua imagem de paraíso turístico, o sudoeste está sob maciça ameaça de destruição, pois suas consideráveis jazidas de minério de ferro, ouro e quartzo a colocaram na mira dos conglomerados internacionais de mineração.

Passei vários dias no sul da Chapada. Toda a região já está dividida em lotes a serem leiloados para exploração. Uma grande extensão dos morros cobertos de matas será detonada, os destroços despejados nos vales. Serão construídas estradas em que caminhões pesados trovejarão 24 horas por dia.

As mineradoras e seus defensores na política argumentam que as riquezas do solo trarão postos de trabalho e bem-estar. Contradizendo-os, está o fato de que todo o planejamento transcorreu sem qualquer participação da população local, sobretudo dos numerosos quilombolas residentes na Chapada Diamantina.

Eles não foram nem informados, nem consultados, conforme exige a lei. Como sempre, os pobres são atropelados, o processo de colonização e exploração prossegue inabalável faz 500 anos.

Poeira e barulho da Brazil Iron

O Quilombo Bocaina, localizado na comunidade Piatã, dá um gostinho do que está por vir. Ele já existe há cerca de 200 anos, sendo reconhecido pela Fundação Palmares. O caminho de carro até lá passa por estradas de terra, pontuadas por casas de fazenda tradicionais e uma natureza exuberante, explodindo com buganvílias, ipês amarelos, flamboyants vermelhos em flor e mangueiras carregadas de frutos.

Cerca de 250 lavradores moram em Bocaina, espalhados por pequenas fazendas, onde cultivam cana-de-açúcar, abacaxi, maracujá, mandioca, batata, feijão e muito mais, além de criar gado. Eles praticam agricultura de subsistência.

No entanto, em 2011, a empresa britânica Brazil Iron começou a operar uma mina de minério de ferro no local, que se expandiu gradualmente nos anos seguintes.

De sua casa, Catarina Oliveira da Silva, de 52 anos, consegue ver a mina, que já demoliu meio morro e parece um enorme abismo cinzento na vegetação verde. Sexta geração de quilombolas de Bocaina, ela é agricultora, apicultora e líder da resistência contra a Brazil Iron.

Ela denuncia o impacto da mina que supostamente deveria trazer progresso: "As constantes explosões deixaram as nossas casas cheias de rachaduras." Mas o pior de tudo era a poeira que caía em tudo: casas, jardins, campos.

"Embora a minha casa esteja a vários quilômetros da mina, a poeira penetrou por cada abertura, se depositou nos móveis, cobriu o chão, emporcalhou as roupas", além de prejudicar as plantas e poluir as águas. "A mina estava em funcionamento 24 horas por dia, o barulho não parava. Os caminhões pesados pareciam um trovão passando pela estrada."

Mas aí chuvas fortes começaram a arrastar os rejeitos da mina, soterrando as fontes do rio Bebedouro, um afluente do importante Rio de Contas. Esse foi o principal motivo da vitória que os quilombolas de Bocaina festejaram em 2022: acusando-a de, pelo menos, 15 transgressões, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) decidiu fechar temporariamente a mina. "Desde então, a gente tem um pouquinho de tranquilidade", relata Catarina Oliveira.

Um aliado inusual no bispo

Contudo, a Brazil Iron já está se movimentando para retomar suas operações – com a aquiescência tanto do governo petista da Bahia quanto do federal de Lula. Mais uma vez, é só durante a campanha eleitoral que o Partido dos Trabalhadores (PT) se coloca do lado dos quilombolas e dos indígenas. Mais precisamente: quando não custa nada e é possível levar até as lágrimas os acadêmicos e esquerdistas das cidades, com uma retórica romântica sobre os pobres e reprimidos. Lula é mestre nisso.

"Se a Brazil Iron retomar as atividades, a gente vai ter que ir embora daqui", antecipa Catarina Oliveira. "O Quilombo Bocaina deixaria de existir." A empresa nega qualquer tipo de infração, alegando praticar "mineração verde". Segundo a BBC, já tem na gaveta pelo menos 30 outros requerimentos para expandir suas atividades na região.

Os quilombolas contam com um aliado inusitado: Dom Vicente de Paula Ferreira, o novo bispo de Livramento de Nossa Senhora, situada no extremo sul da Chapada. Ele era bispo auxiliar de Brumadinho em 2019, quando se rompeu a barragem de rejeitos de uma mina de ferro da gigante Vale. A avalanche de lama que se precipitou sobre a área causou 272 mortes, destruiu casas, campos e rios.

Na época, Dom Vicente se colocou ao lado das vítimas, exigindo justiça, apoiando os atingidos e condenando a Vale "pelo crime". No entanto seu engajamento resultou numa revolta da elite de direita de Brumadinho: apareceram faixas afirmando que a Igreja Católica não era para fazer política, mas "só rezar".

Essa experiência deixou marcas profundas em Dom Vicente – e reforçou seu engajamento, como revelou a mim. Ele me contou que considera a luta pelos quilombos e contra a destruição da Chapada Diamantina como ponto central de sua atuação: "Os pobres e o meio ambiente nunca valeram nada para o Estado brasileiro. A Justiça decide no interesse dos conglomerados, dos latifundiários, do capital. Ela coloca o lucro na frente da vida. No Brasil existe um Judiciário, mas não há justiça."

Há perigo real de que seja destruída justamente uma das regiões mais belas e ecologicamente valiosas do Brasil. A Chapada Diamantina e suas comunidades tradicionais estão seriamente ameaçadas. Todos aqueles, que, no futuro, queiram fazer seus selfies tendo como pano de fundo belas cachoeiras e natureza supostamente intocada devem pensar sobre isso.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.